5.6.3 Consciente - Da sua dificuldade de lógica pura.
É a percepção de que sofremos uma grande dificuldade para evitarmos a
influência do subconsciente. O subconsciente, influenciado por inúmeras
percepções que capta do ambiente, misturadas a outras tantas que captou no
passado. Ele nos inunda com gostos, sentimentos e desejos de pouca base lógica.
Deste modo, nossos gostos, sentimentos e desejos representam uma construção
contaminada. E da mesma forma que mencionamos sobre o quebra-cabeças do
conhecimento. Ao tomarmos decisões, estes sentimentos, gostos e desejos
contaminados, contaminam toda lógica futura. Um maior nível de lógica costuma
ser uma característica que leva a decisões mais acertadas. E em muitos momentos
da vida precisamos nos livrar dos sentimentos e executarmos pensamentos
puramente lógicos e racionais. Como na expressão do latim “aequo animo” que
significa: decidir com equilíbrio de julgamento, com isenção de ânimo, sem
influências da vontade. Usando apenas o recurso da lógica e racionalidade para
guiar o processo decisório.
Pa muitos filósofos este é o grande desafio do ser humano, Isto requer
uma grande capacidade de reflexão e autocritica. O prêmio para estes
super-humanos é uma real liberdade, pois isto lhes dá maior capacidade de
autonomia ou autodeterminação.
Como diria o filosofo Kant, ser livre é ser autônomo, isto é, dar a si
mesmo as regras a serem seguidas racionalmente. Pois o que difere o homem dos
outros animais é a sua capacidade de pensar para agir.
“Quando nós, tal como os animais buscamos o prazer ou a satisfação de
nosso desejos, ou buscamos evitar o sofrimento. Não estamos agindo livremente,
estamos agindo como escravos desses apetites e impulsos.“
Para Kant, a liberdade é o oposto da necessidade. Como quando você sente
necessidade de consumir um produto oferecido por propagandas psicologicamente
estudadas. Você ira pensar que sua escolha foi sua, mas na realidade você está
obedecendo a um desejo que não foi você que escolheu ou criou.
Kant tenta nos fazer perceber que ao associarmos a ideia de felicidade
com ideia de acúmulo de desejos saciados. Nos expomos a um vício comparável ao
da heroína ou crack. Tendemos a priorizar a busca pelos prazeres dos sentidos e
das vaidades, sem perceber que quanto mais se sacia um prazer biológico ou
vaidoso, mais extravagantes e intensos estes prazeres terão de ser futuramente,
a fim de se obter o mesmo nível de satisfação.
Este mesmo perigo foi sabiamente identificado por Epicuro, que buscou
construir uma nova sociedade baseada na simplicidade. Em manter a consciência
focada em valorizar os prazeres que geram felicidade e não se desgastam. Como
comer, dormir, conviver com amigos, carinho, sexo – Fontes de felicidade
naturais e necessárias, que facilmente podem nos dar prazer por toda a vida se
forem praticadas com moderação. O exagero pode promover a perda da
sensibilidade ao prazer. Para Epicuro a felicidade só requer três coisas:
liberdade, amigos e tempo para filosofar.
“Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros são naturais e
não necessários; outros nem naturais nem necessários, mas nascidos apenas de
uma vã opinião.” Epicuro
É importante entender o significado destas palavras para Epicuro.
Em seus textos “liberdade” é definida como autossuficiência. Por este
motivo ele construiu e viveu em uma comunidade agrícola que ficou conhecida
como o Jardim de Epicuro. Lá ele e seus amigos plantavam e viviam de forma
autossuficiente. Portanto, quando ele se refere a necessidade de “amigos”
poderíamos interpretar como a necessidade do coletivo. Já a necessidade de
“tempo para filosofar” como sendo o tempo para manter-se focado no estudo e
manutenção da felicidade.
Estudiosos acreditam que ele tenha escrito mais de trezentas obras.
Porem poucos textos ou referências a seus pensamentos sobreviveram a destruição
do conhecimento humano promovida pela igreja na idade média.
Confira abaixo trechos de uma carta que Epicuro escreveu a Meneceu, um
de seus discípulos. Escrita por Epicuro por volta de 300 a.C, também conhecida
por Carta sobre a felicidade, e trata de uma questão fundamental para a
Filosofia, que diz respeito a como podemos alcançar a felicidade e de como nos
mantermos felizes.
“Que nenhum jovem adie o estudo da filosofia, e que nenhum velho se
canse dela; pois nunca é demasiado cedo nem demasiado tarde para cuidar do
bem-estar da alma. O homem que diz que o tempo para este estudo ainda não
chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado cedo ou demasiado
tarde para a felicidade. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto
ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata
recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem
sentir medo das coisas que estão por vir. Temos portanto de estudar o meio de
assegurar a felicidade, visto que se a tivermos, temos tudo, mas se não a
tivermos, fazemos tudo para a obter.
...
Tal como não escolhe a comida da qual há maior quantidade mas a que é
mais agradável, também não procura a satisfação da vida mais longa mas sim a da
mais feliz.
Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem é tolo não
apenas porque a vida é desejável para ambos, mas também porque a arte de viver
bem e a arte de morrer bem são uma só. Contudo, muito pior é quem diz que é bom
não ter nascido mas, uma vez nascido, que o melhor é passar depressa pelos
portões do Hades.
Se um homem diz isto e realmente acredita nisto, por que razão não se
retira da vida? Certamente que os meios estão à mão se for realmente essa a sua
convicção. Se o diz a zombar, é visto como um tolo entre quem não aceita o seu
ensinamento.
Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso,
nem totalmente não-nosso, de modo que nem podemos contar com a certeza que ele
virá, nem contarmos com a certeza de que não virá e acabarmos abandonando a
esperança nele.
Tens de considerar que alguns desejos são naturais, outros vãos
(fúteis), e dos que são naturais alguns são necessários e outros apenas
naturais. Dos desejos naturais, alguns são necessários para a felicidade,
alguns para o bem-estar do corpo, alguns para a própria vida. O homem que tem
um conhecimento perfeito disto saberá como fazer toda a sua escolha ou rejeição
tender para ganhar saúde do corpo e serenidade da mente, dado que este é o fim
último da vida bem-aventurada. Em razão desse fim praticamos todas as nossas
ações, para nos afastarmos da dor e do medo. Quando se atinge esta condição,
toda a tempestade da alma sossega, dado que a criatura nada mais precisa de
fazer para procurar algo que lhe falte, nem de procurar qualquer outra coisa
para completar o bem-estar da alma e do corpo.
De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos com sua
ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz
sentir.
É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma
vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao
ser humano, em razão dele praticamos toda escolha ou recusa, e a ele chegamos
escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor.
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos
qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles
advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos
sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de
suportarmos essas dores por muito tempo.
Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não
obstante isso, nem todo o prazer deve ser escolhido. Do mesmo modo, toda dor é
um mal, contudo, nem toda dor deve ser evitada em todas as ocasiões. Convém,
portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos
benefícios e dos danos. Sob certas circunstâncias devemos tratar o bem como mal
e, igualmente, o mal como bem.
Encaramos a autossuficiência como um grande bem, não para que possamos
desfrutar apenas de poucas coisas, mas para que, se não tivermos muitas, nos
possamos satisfazer com as poucas, estando firmemente persuadidos de que quem
retira o maior prazer do luxo é quem o encara como menos preciso, e que tudo o
que é natural se obtém facilmente, ao passo que os prazeres vãos são difíceis
de obter.
Na verdade, os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as
iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela
dependência. Pão e água dão o máximo prazer quando uma pessoa necessitada os
consome.
Habituar-se à vida simples e básica conduz à saúde e faz um homem ficar
pronto a enfrentar as tarefas necessárias da vida. Prepara-nos também melhor
para usufruir o luxo se por vezes tivermos a sorte de o encontrar, e faz-nos
intrépidos face à fortuna.
Quando dizemos que o prazer é o fim, não queremos dizer o prazer do
extravagante ou o que depende da satisfação física — como pensam algumas
pessoas que não compreendem os nossos ensinamentos, discordam deles ou os
interpretam malevolamente — mas por prazer queremos dizer o estado em que o
corpo se libertou da dor e a mente da ansiedade.
Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem o amor sexual, nem o
sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que promovem a vida feliz, mas um exame cuidadoso que
investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as falsas
crenças que promovem a perturbação da mente.
De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão
pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia ; é dela que
originaram todas as demais virtudes...”
Epicuro - Carta a Meneceu
A essência de sua filosofia epicurista, está na ideia de que a vida deve
ser feita de escolhas prudentes, que visem não apenas o momento, mas o
resultado delas para a vida como um todo. É desta visão a longo prazo e num
contexto global que ela proclama que devemos refletir sobre nossos desejos e
escolhas.
Assim como Epicuro, também Kant, identifica que a liberdade é sinônimo
de autonomia. Liberdade é quando conseguimos superar nossos gostos, sentimentos
e desejos a fim de escolher racionalmente nossas próprias regras de conduta. É
quando, após grande reflexão, impomos leis a nos mesmos! Neste momento estamos
exercendo a verdadeira autonomia, estamos agindo livres de nossos impulsos
irracionais ou de influências culturais.
Obviamente que Epicuro vai além, e defende que esta autonomia sobre os
desejos deve ser direcionada a autossuficiência e a vida simples como forma de
evitar o desgaste dos sentidos e preservar a habilidade de sentir os prazeres
que a natureza nos proporciona de forma tão fácil e segura. Em outro texto,
Epicuro afirma:
“Graças sejam rendidas à bem-aventurada Natureza que fez com que as
coisas necessárias sejam fáceis de alcançar e que as coisas difíceis de
alcançar não sejam necessárias”
Em resumo, o que concluo destes dois pensadores é que: Quem deixa sua
vida ser guiada por gostos e desejos, sem perceber, é um escravo. E será
escravizado por todos que souberem lhe provocar desejos. Somente pode
considerar-se livre aquele que, a luz da ciência e da razão, escolhe seus
gostos e desejos.
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