sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

O preconceituoso consciente.


Pensamento Binário vs. Visão Probabilística e o Papel das Heurísticas na Decisão

Introdução

No mundo complexo da ciência, filosofia e decisões cotidianas, ideias rígidas de “sim ou não” tendem a falhar. A realidade raramente se encaixa em categorias absolutas; em vez disso, manifesta graduações e incertezas. Por isso, cresce a necessidade de evitar afirmações binárias e adotar uma visão estatística ou probabilística nos mais diversos campos do conhecimento. Além disso, compreender o papel de pré-conceitos – entendidos aqui como heurísticas cognitivas ou julgamentos iniciais – mostra-se essencial. Este texto explora como o pensamento probabilístico supera visões determinísticas em exemplos históricos e científicos, e investiga como um “pré-conceito” pode, na medida certa, ser uma ferramenta útil para enfrentar situações novas ou complexas. Abordaremos perspectivas da psicologia, filosofia da ciência e estatística, mostrando a vantagem de enxergar o mundo em tons de cinza, e não apenas em preto e branco.

O Problema do Pensamento Binário

Nossa mente muitas vezes busca atalhos, rotulando tudo de forma dicotômica: bom ou ruim, verdadeiro ou falso, zero ou um. Essa tendência, conhecida como viés binário, faz dicotomizar qualquer conjunto de dados, reduzindo toda uma gama de possibilidades a apenas duas categorias extremas. Embora isso simplifique o processamento de informação, pode distorcer a realidade e levar a julgamentos apressados. Psicólogos notam que esse viés deriva em parte de nossa herança evolutiva: ancestrais humanos precisavam reagir rapidamente a ameaças, desenvolvendo respostas instantâneas de “luta ou fuga”. Esse mecanismo sobrevive hoje como um pensamento simplificador (e frequentemente pessimista) diante de informações complexas. O resultado é uma visão empobrecida da realidade – por exemplo, ao avaliar pessoas ou ideias, tendemos a classificá-las rigidamente como “totalmente boas” ou “totalmente más”, ignorando nuances.

(O viés binário: uma maneira errada de processar informações) Representação do pensamento binário: pessoa diante de uma escolha bifurcada. (Fonte: Amente é Maravilhosa)

A adoção inconsciente de afirmações binárias pode ser prejudicial. Na ciência, isso se manifesta quando teorias são consideradas 100% verdadeiras ou falsas, sem meio-termo, ou quando resultados experimentais são interpretados como prova definitiva em vez de evidências graduais. Na tomada de decisões, pensar de forma binária pode levar a escolhas extremas sem avaliar riscos intermediários (“este investimento com certeza dará certo” vs. “é um fracasso garantido”). Em contraposição, pensar estatisticamente significa reconhecer níveis de confiança, probabilidades e distribuições de resultados possíveis. Em vez de “sim ou não”, passamos a raciocinar em termos de quão provável algo é, ou sob quais condições uma coisa tende a ocorrer.

Por que Pensar em Probabilidades?

Diferentemente da certeza absoluta implícita no pensamento binário, o pensamento probabilístico abraça a incerteza como parte inerente da realidade. Isso não é apenas um capricho moderno – trata-se de uma mudança de paradigma ocorrida ao longo dos séculos. Historicamente, filósofos e cientistas perseguiram o “sonho da certeza” determinística: a ideia de que, conhecendo-se perfeitamente as causas iniciais, poderíamos prever todos os efeitos (o célebre demônio de Laplace representa essa visão de determinismo absoluto). Porém, descobertas científicas dos últimos 150 anos minaram essa confiança ilimitada. Hoje entendemos que pequenas variações podem gerar grandes impactos, tornando inviável prever com exatidão muitos fenômenos complexos. Assim, o antigo sonho de certeza deu lugar à teoria da probabilidade, um cálculo da incerteza (Gigerenzer - Fast and Frugal Heuristics - The Broken Science Initiative). Ao invés de eliminar o “caos”, aprendemos a trabalhar dentro dele, usando modelos estatísticos para navegar em sistemas imprevisíveis.

Em termos práticos, pensar em probabilidades oferece vários benefícios:

  • Previsões mais realistas: Modelos probabilísticos fornecem intervalos de confiança ou chances de cada resultado, em vez de uma única previsão rígida. Isso prepara melhor para surpresas. Por exemplo, em um lançamento de produto, é preferível estimar um intervalo provável de vendas ou múltiplos cenários, ao invés de cravar um número exato. Empresas que adotam cenários variados, considerando tendências de mercado e oscilações econômicas, ficam mais preparadas para reagir rapidamente às mudanças. Essa abordagem flexível fortalece a resiliência na tomada de decisão.
  • Decisões informadas pelo risco: Ao enxergar os possíveis resultados e suas probabilidades, gestores e cientistas podem calcular riscos e benefícios de forma mais objetiva. Em vez de dizer “este projeto vai falhar ou ter sucesso”, pode-se estimar, por exemplo, 70% de chance de sucesso, ajustando planos de acordo com a tolerância ao risco.
  • Adaptação contínua: Uma mentalidade estatística incentiva a atualização de crenças conforme novas evidências surgem. Isso evita o apego dogmático a uma posição “verdadeira/falsa” inicial. Conforme veremos adiante, essa dinâmica de atualização é central tanto na ciência (experimentos refinando hipóteses) quanto na estatística Bayesiana (evolução de probabilidades a partir de priors).

Em suma, abraçar a incerteza não significa abrir mão de conhecimento – pelo contrário, é reconhecê-lo de forma mais realista. Hans Rosling, no livro Factfulness, argumentou que a incerteza “não é algo a ser temido, mas compreendido” para nos alavancar adiante. A seguir, examinamos casos concretos onde abordagens probabilísticas triunfaram sobre visões determinísticas, transformando nossa compreensão e capacidade de decisão.

Exemplos Históricos e Científicos: Probabilístico vs. Determinístico

Física Quântica e Indeterminismo

No início do século XX, a física enfrentou um choque conceitual: partículas subatômicas não seguiam leis determinísticas como planetas em órbita, mas sim regras probabilísticas. A mecânica quântica revelou que é impossível determinar com certeza absoluta o resultado de certos fenômenos – por exemplo, o momento exato em que um átomo radioativo irá decair. Até mesmo Albert Einstein, acostumado ao determinismo da física clássica, mostrou-se desconfortável com essa ideia. Em 1926, ele escreveu em carta a Max Born a famosa frase: “Deus não joga dados com o Universo” (Cartas em que Einstein cita Deus e refuta teoria quântica vão à leilão - Revista Galileu | Sociedade), rejeitando a noção de aleatoriedade fundamental. Contudo, o desenvolvimento da teoria quântica provou ser correto em sua essência probabilística: por mais contraintuitivo que fosse, o comportamento das partículas só podia ser previsto em termos de probabilidades. Experimentos posteriores confirmaram previsões quânticas com alto grau de precisão estatística, enquanto as tentativas deterministas de Einstein não encontraram respaldo experimental. Esse episódio histórico mostra a vantagem de uma visão baseada em probabilidades: ela permitiu avanços como transistores e lasers (frutos da física quântica), impossíveis caso os físicos insistissem numa certeza determinista inexistente.

Teoria do Caos e o “Efeito Borboleta”

Mesmo sistemas regidos por leis aparentemente deterministas podem se comportar de maneira imprevisível. Em 1961, o meteorologista Edward Lorenz descobriu isso ao tentar simular o clima em um computador. Pequenas diferenças de arredondamento nos dados iniciais resultavam em previsões de tempo completamente divergentes – um fenômeno resumido em sua frase: “quando o presente determina o futuro, mas o presente aproximado não determina aproximadamente o futuro”. Em outras palavras, pequenas variações nas condições iniciais podem levar a grandes diferenças nos resultados. Esse princípio, popularizado como Efeito Borboleta, expôs os limites do determinismo clássico: mesmo conhecendo equações precisas, a mínima incerteza nas entradas impede previsões exatas a longo prazo. Como resposta, meteorologistas e outros cientistas adotaram abordagens probabilísticas. A previsão do tempo moderna, por exemplo, utiliza modelos de ensemble – múltiplas simulações com variações sutis nas condições iniciais – para gerar previsões de probabilidade (como “80% de chance de chuva”). Isso fornece ao público e aos tomadores de decisão uma ideia do grau de confiança na previsão, em vez de uma garantia binária enganosa. Novamente, a visão estatística mostra sua força: em vez de confiar num único palpite determinístico, trabalha-se com uma distribuição de cenários, melhorando a preparação diante de eventos extremos ou inesperados. Hoje, não apenas o clima, mas diversos campos (economia, ecologia, engenharia) incorporam o caos em seus modelos, usando a estatística para navegar a incerteza onde o determinismo falha.

Inovações Tecnológicas com Modelos Probabilísticos

No mundo contemporâneo, ciência de dados e inteligência artificial impulsionam ainda mais a mentalidade probabilística. Modelos de machine learning e simulações computacionais conseguem vasculhar um espaço vasto de possibilidades, algo impraticável por métodos deterministas manuais. Por exemplo, no setor de biotecnologia, startups como a Insilico Medicine utilizam IA para descoberta de fármacos, simulando milhões de possíveis moléculas em poucas semanas – algo impossível num modelo determinístico tradicional. Em vez de testar substância por substância em laboratório (processo linear e certo, porém lento), adota-se uma estratégia estatística: gerar muitas hipóteses de compostos e gradualmente afunilar nas mais promissoras com base em probabilidades de sucesso. O resultado é um ganho de velocidade e criatividade na pesquisa científica.

No setor financeiro, a detecção de fraudes também se beneficiou da abordagem probabilística. Grandes bancos como o JPMorgan implementam sistemas de IA que analisam bilhões de transações e, em tempo real, ajustam seus modelos de detecção conforme novos padrões de fraude emergem. Diferente de um sistema determinístico de regras fixas (que um fraudador inteligente poderia contornar após descobrir o padrão), um sistema probabilístico aprende com os dados – ou seja, atualiza continuamente as chances de uma transação ser fraudulenta conforme recebe evidências. Isso torna a detecção muito mais adaptável e eficaz frente a golpes inéditos.

Esses exemplos ilustram uma tendência clara: visões deterministas rígidas estão dando lugar a estratégias probabilísticas dinâmicas. Seja para prever mercados, descobrir medicamentos ou navegar incertezas científicas, quem incorpora a estatística ganha uma vantagem. Afinal, conforme resumiu Gigerenzer e colegas, vivemos o fim do ideal da certeza absoluta e a ascensão do cálculo de incertezas (Gigerenzer - Fast and Frugal Heuristics - The Broken Science Initiative). Lidar com os fenômenos em termos de probabilidades permite não apenas prever o futuro, mas moldá-lo de forma mais inteligente, pois ajustamos nosso caminho conforme aprendemos com os desvios.

Heurísticas Cognitivas: Atalhos Úteis (mas Imperfeitos)

Se por um lado devemos evitar o pensamento “preto no branco”, por outro não é viável analisar cada situação do zero, calculando todas as probabilidades minuciosamente. Nosso cérebro desenvolveu heurísticas, que são atalhos mentais ou “regras de bolso” usadas para tomar decisões rápidas sob pressão ou com informação incompleta (Gigerenzer - Fast and Frugal Heuristics - The Broken Science Initiative). Em psicologia, Daniel Kahneman e Amos Tversky pioneiramente catalogaram várias heurísticas (como disponibilidade, representatividade e ancoragem) mostrando como elas podem levar a vieses – erros sistemáticos de julgamento. Por exemplo, a heurística da ancoragem nos faz dar peso excessivo à nossa impressão ou número inicial e ajustar insuficientemente diante de novos dados. Já a heurística de disponibilidade nos leva a julgar a frequência ou probabilidade de algo com base na facilidade com que exemplos nos vêm à mente (às vezes superestimando eventos dramáticos que lembramos facilmente, como acidentes aéreos, e subestimando eventos mais comuns porém menos memoráveis). Essas descobertas renderam a Kahneman um Nobel e consolidaram a visão de que o ser humano muitas vezes não pensa estatisticamente de forma nativa, inclinando-se a esses atalhos que simplificam a complexidade.

No entanto, seria injusto concluir que heurísticas são “ruins” em si. Muito pelo contrário: sem elas seríamos “travados” diante da infinidade de decisões diárias. Gerd Gigerenzer, outro psicólogo influente, defende que heurísticas podem ser rápidas, frugais e eficazes, a ponto de muitas vezes produzirem resultados tão bons quanto (ou melhores que) análises deliberativas demoradas (Gigerenzer - Fast and Frugal Heuristics - The Broken Science Initiative). A chave é que o mundo real frequentemente envolve incerteza, não apenas risco calculável (Gerd Gigerenzer on Decision Making - Social Science Space). Nesses cenários, tentar um cálculo exato ou otimização perfeita é inviável – afinal, faltam informações ou tempo para isso. As heurísticas, então, são ferramentas adaptativas que ignoram parte dos dados para focar no essencial, atendendo às limitações de tempo e conhecimento.

Um exemplo impressionante de vantagem de heurística foi documentado na medicina de emergência: ao avaliar pacientes com suspeita de ataque cardíaco, médicos desenvolveram uma lista de checagem simples de 3 passos (Sim/Não) para decidir se o paciente é de alto risco. Esse protocolo heurístico superou análises complexas que consideravam 19 variáveis, em termos de rapidez e acurácia para identificar casos graves (Gigerenzer - Fast and Frugal Heuristics - The Broken Science Initiative). Em poucos segundos, três perguntas objetivas permitiam diagnosticar corretamente muitos pacientes, enquanto a abordagem “completa” demoraria mais e, na prática, não adicionou precisão significativa. Essa estratégia é um exemplo de “menos é mais”: usar poucas informações relevantes de forma inteligente venceu o excesso de dados. Daí a expressão de Gigerenzer: “Às vezes, menos informação é melhor” (Gigerenzer - Fast and Frugal Heuristics - The Broken Science Initiative).

Outra situação cotidiana de heurística útil é a intuição experiente. Um bombeiro veterano, por exemplo, pode “sentir” que um prédio está prestes a desabar ao notar sinais sutis (estalos, deformações) e ordena a retirada imediata da equipe – sem realizar cálculos estruturais formais, ele aplicou um pré-conceito aprendido em anos de experiência. Essa resposta rápida pode salvar vidas, enquanto uma análise lenta seria impraticável na emergência. Da mesma forma, motoristas tomam decisões instintivas no trânsito (frear diante de um pedestre que pode atravessar correndo) usando pistas visuais mínimas. Em ambos os casos, a heurística traz vantagem adaptativa: ganha-se velocidade com um pequeno custo de precisão (às vezes o prédio não cairia, ou o pedestre não atravessaria – mas errar por precaução é melhor do que esperar a certeza).

Em resumo, heurísticas e julgamentos iniciais são uma faca de dois gumes: podem introduzir vieses e erros, mas também representam a sabedoria acumulada da evolução e da experiência, proporcionando decisões viáveis em ambientes de incerteza. Como nota Gigerenzer, nas ciências sociais criou-se a retórica de que heurísticas seriam “segunda classe” e que o ideal seria sempre decisões racionais otimizadas – uma visão equivocada num mundo de incertezas (Gerd Gigerenzer on Decision Making - Social Science Space). O mais sensato é investigar quando e onde esses atalhos funcionam bem, em vez de descartá-los por não se adequarem ao ideal teórico de racionalidade ilimitada (Gerd Gigerenzer on Decision Making - Social Science Space). Afinal, comparar o pensamento humano real a um “demônio de Laplace” onisciente só nos faria parecer irracionais, quando na verdade estamos usando estratégias proporcionais ao ambiente e aos nossos limites (Gigerenzer - Fast and Frugal Heuristics - The Broken Science Initiative).

(Heurísticas: os interessantes atalhos da nossa mente) Representação das heurísticas cognitivas: a imagem sugere uma mente humana ramificando-se em diversas direções, simbolizando os atalhos mentais que simplificam decisões. (Fonte: Amente é Maravilhosa) (Heurísticas: os interessantes atalhos da nossa mente)

“Pré-conceito” como Ferramenta Cognitiva

Geralmente, a palavra pré-conceito carrega uma conotação negativa de juízo precipitado ou preconceito injusto. Contudo, aqui discutimos o “pré-conceito” no sentido literal: conceitos prévios ou suposições iniciais que cada indivíduo ou cientista traz para uma situação. Na filosofia e na epistemologia (teoria do conhecimento), há muito se debate sobre o papel dessas suposições iniciais na compreensão do mundo. Será que é possível observar ou decidir algo sem nenhum pré-conceito? Ou, ao contrário, toda observação e decisão já começa com alguma ideia prévia, que pode ser útil?

Filósofos da ciência argumentam que não existe ponto de vista totalmente neutro. Nosso cérebro e nossa cultura sempre nos fornecem estruturas antecipadas para interpretar os dados – caso contrário, ficaríamos paralisados diante de um fluxo caótico de informações sem sentido. O filósofo Hans-Georg Gadamer, em sua obra sobre hermenêutica (arte da interpretação), defendeu que os “prejuízos” (pre-juízos, isto é, pré-concepções) fazem parte de qualquer ato de compreensão. Longe de serem apenas obstáculos, eles formam a base a partir da qual entendemos algo novo (Preconceito | Ecce Medicus). Gadamer aponta que “a interpretação começa com pré-conceitos que são, pouco a pouco, substituídos por conceitos mais adequados” (Preconceito | Ecce Medicus). Em outras palavras, ao nos depararmos com um texto, uma situação ou um problema, iniciamos com alguma hipótese ou impressão inicial; conforme interagimos com a realidade, vamos testando e refinando esses pré-conceitos, ajustando nosso entendimento. A objetividade, nesse sentido, não é a ausência de suposições, mas sim o processo de depurá-las – confirmando as válidas e descartando as enganosas conforme reunimos evidências (Preconceito | Ecce Medicus).

No contexto da filosofia da ciência, essa ideia se reflete em como cientistas propõem teorias. Karl Popper, por exemplo, via o progresso científico como “conjecturas e refutações”: primeiro faz-se uma conjectura ousada (um palpite ou hipótese – essencialmente um pré-conceito sobre como algo pode funcionar), depois testa-se criticamente para tentar refutá-la. Se a hipótese sobrevive a testes rigorosos, ganha credibilidade; se não, é ajustada ou abandonada. Já Thomas Kuhn destacou que em períodos de “ciência normal”, pesquisadores trabalham dentro de um paradigma existente, um conjunto de pressupostos compartilhados sobre o fenômeno (A noção de paradigma pensada por Thomas Kuhn - Brasil Escola ). Esse paradigma orienta quais perguntas fazem sentido e quais métodos são válidos – é, de certo modo, um grande pré-conceito coletivo que guia a pesquisa. Somente diante de anomalias persistentes é que o paradigma é questionado e eventualmente ocorre uma revolução científica, com um novo paradigma tomando lugar (A noção de paradigma pensada por Thomas Kuhn - Brasil Escola ). Ou seja, mesmo a ciência, com toda sua objetividade, depende de conceitos prévios (paradigmas, teorias provisórias) para avançar; ela não começa do zero, mas sim reformula suas “apostas” iniciais conforme as evidências aparecem.

Também na estatística moderna, especialmente na abordagem Bayesiana, encontramos a valorização do conhecimento prévio. O Teorema de Bayes formaliza matematicamente como devemos combinar uma crença inicial (prior) com evidências novas para obter uma crença atualizada (posterior). Em termos simples, “uma nova evidência apenas atualiza uma probabilidade anterior, e a nova probabilidade depende não apenas da evidência encontrada, mas também da probabilidade anterior à evidência” (Teorema de Bayes: A matematização da crença – Eu Percebo). Assim, nossas conclusões após ver os dados dependem em parte de quão crentes estávamos na hipótese antes de ver os dados (Teorema de Bayes: A matematização da crença – Eu Percebo). Longe de ser um “defeito”, isso é inevitável e muitas vezes desejável: utilizar informações prévias conhecidas (por exemplo, estudos anteriores, conhecimentos teóricos) torna a análise mais poderosa do que tratá-la isoladamente. Por exemplo, suponha que 1% de uma população tem uma certa doença, e um teste positivo tem 90% de sensibilidade e 10% de falso-positivo. Um médico que recebe um resultado positivo não deve concluir binariamente que o paciente com certeza está doente; usando o Teorema de Bayes e o dado prévio da prevalência de 1%, ele concluirá que a probabilidade pós-teste é relativamente baixa (por volta de 8% a 9%). Esse cálculo incorpora o “pré-conceito” (prevalência base) de forma quantitativa, chegando a um julgamento muito mais acurado do que uma interpretação literal do exame.

Interessantemente, um artigo de medicina baseado em evidências sugere que “um pouquinho de preconceito é bom para o médico”, no sentido de combinar prudentemente sua visão de mundo com a do paciente e com a massa de conhecimento científico disponível (Preconceito | Ecce Medicus). O autor refere-se justamente ao preconceito filosófico discutido por Gadamer e ao método de Bayes, chamando-os de “mestres do preconceito” por ensinarem o valor de ter suposições informadas (Preconceito | Ecce Medicus). Em outras palavras, o médico não é uma tábula rasa: ele vem com experiência, intuição clínica (heurísticas do que costuma ser comum ou grave) e até mesmo impressões iniciais sobre o caso, e isso o ajuda a formular hipóteses diagnósticas rapidamente. A seguir, ele deve testar esses palpites com exames e observações, corrigindo-os se necessário. Assim, o “pré-conceito” funciona como uma heurística inicial para lidar com a complexidade do paciente real, mas precisa ser flexível – estando sempre aberto à revisão conforme novos dados surgem (resultados de exames, evolução dos sintomas, etc.). Essa postura é muito diferente de um preconceito inflexível, que seria o médico se recusar a mudar de ideia apesar das evidências em contrário. O pré-conceito útil é, pois, maleável e orientado pela evidência.

Conclusão

Em um mundo repleto de incertezas, evitar extremos binários e adotar uma postura probabilística mostrou-se fundamental para o avanço do conhecimento e para decisões mais sábias. Vimos que teorias científicas rígidas cederam lugar a modelos baseados em probabilidades – do comportamento misterioso das partículas quânticas à imprevisibilidade atmosférica, passando por inovações tecnológicas que simulam cenários diversos para encontrar soluções. Abordagens probabilísticas abraçam a complexidade em vez de negá-la, proporcionando previsões com margens de erro e planos de contingência, em lugar de promessas de exatidão irrealistas.

Ao mesmo tempo, reconhecemos que nossos cérebros operam com heurísticas e pré-concepções inevitáveis. Longe de serem meros vícios, esses atalhos cognitivos são muitas vezes o que nos permite navegar situações novas ou complexas sem ficarmos paralisados. A chave está em utilizá-los com consciência: valorizar o julgamento inicial como ponto de partida, mas refiná-lo com pensamento crítico e evidências. Na psicologia e na tomada de decisão, isso significa mitigar vieses perigosos (como o pensamento totalmente dicotômico) e aproveitar heurísticas benéficas nos contextos adequados. Na filosofia da ciência, significa admitir que toda observação carrega teoria embutida, e que o conhecimento progride ao depurar nossos pré-conceitos à luz dos fatos. Na estatística, significa combinar dados novos com informações prévias de forma coerente (seguindo a máxima de Bayes).

Em suma, a visão estatística ou probabilística não descarta a intuição ou a experiência anterior – ela as incorpora de maneira estruturada. Ao evitarmos afirmações absolutas e reconhecermos graus de confiança, tomamos decisões mais robustas e produzimos ciência de melhor qualidade. E ao entendermos o pré-conceito como uma ferramenta cognitiva (e não um fim em si mesmo), podemos aproveitar a sabedoria inicial que ele oferece, sem nos tornarmos escravos de ideias fixas. O equilíbrio entre uma mente aberta a novas evidências e um núcleo de conhecimento prévio bem fundamentado é, afinal, o que permite lidar com o novo e o complexo de forma efetiva. Ou, parafraseando um ensinamento popular da estatística: estejamos firmes em nossas suposições, porém sempre prontos para atualizá-las quando os dados assim exigirem.

Referências:

  • Kahneman, D. Thinking, Fast and Slow. Farrar, Straus and Giroux, 2011.
  • Gigerenzer, G. Gut Feelings: The Intelligence of the Unconscious. Viking, 2007.
  • Lorenz, E. Predictability: Does the Flap of a Butterfly’s Wings in Brazil Set Off a Tornado in Texas? (Paper, 1972).
  • Rosling, H. Factfulness. Flatiron Books, 2018.
  • Upshur, R.E.G. “Clinical epistemology” – The Pharos (Citado em 【31】).
  • [Referências específicas conforme citações ao longo do texto]

Tendência de considerar a ciência atual como definitiva


Tendência de considerar a ciência atual como definitiva

É comum na prática científica tratar as teorias e resultados mais recentes como os mais corretos ou definitivos, mesmo sabendo-se que a história da ciência é marcada por revisões constantes e mudanças de paradigmas. Diversos termos e conceitos da filosofia da ciência descrevem esse fenômeno de confiança excessiva na ciência vigente. A seguir, apresentamos alguns deles – como cientificismo, dogmatismo científico e o viés do “presente” –, explicando seu significado e relevância, com exemplos históricos e referências acadêmicas.

Cientificismo (Scientism)

Cientificismo – ou cientismo – refere-se a uma postura intelectual que confere autoridade absoluta à ciência e ao método científico como caminho único ou superior para a verdade. Trata-se de uma visão frequentemente dogmática: assume-se que o conhecimento científico atual tem primazia sobre outras formas de saber (como a filosofia ou a religião) e que suas conclusões são praticamente inquestionáveis (Cientificismo – Wikipédia, a enciclopédia livre) (Cientificismo – Wikipédia, a enciclopédia livre). Em outras palavras, o cientificismo acredita no poder da ciência de resolver todos os problemas e tende a encarar as descobertas científicas presentes como verdades finais.

“Segundo Karl Popper, o cientificismo é a crença dogmática na autoridade do método científico e nos seus resultados” (Cientificismo – Wikipédia, a enciclopédia livre).

Essa atitude pode levar a superestimar a exatidão das teorias científicas vigentes, ignorando-se que a ciência é provisória e autocorretiva. Filósofos como Susan Haack e Ian Hacking criticam o cientificismo por ele ignorar limites metodológicos e por tratar a ciência quase como uma religião secular. Em suma, o cientificismo descreve a tendência de enxergar a ciência contemporânea como detentora da verdade absoluta, deixando de lado a necessária postura crítica e falibilista (isto é, consciente de que mesmo teorias atuais podem estar erradas).

Dogmatismo científico

Por dogmatismo científico entende-se a atitude inflexível e pouco crítica diante do conhecimento científico estabelecido. Nessa postura, os cientistas (ou a comunidade em geral) aderem firmemente às teorias e paradigmas vigentes, tratando-os como se fossem verdades incontestáveis – em vez de hipóteses sujeitas a teste e possível refutação. O filósofo Thomas Kuhn observou que durante os períodos de ciência normal (ou seja, fora de momentos de revolução científica) os pesquisadores tendem a trabalhar dentro de um paradigma aceito sem questionar seus fundamentos. Kuhn chegou a chamar essa necessária estabilidade de um tipo de “dogmatismo científico” útil: os cientistas precisam de confiança no paradigma atual para resolver “quebra-cabeças” normais da pesquisa (Parcial epistemologia - NEOPOSITIVISMO: CIRCULO DE VIENA Y EL EMPIRISMO LÓGICO Hace unos treinta - Studocu). Como ele disse, “algo deve dizer ao cientista onde olhar e o que buscar, e esse algo, ainda que não perdure além de sua geração, é o paradigma que lhe proporcionou sua educação... Dado esse paradigma e a necessária confiança nele, o cientista deixa em grande medida de ser um explorador... Em vez disso, trata de articular e concretizar o conhecido” (Parcial epistemologia - NEOPOSITIVISMO: CIRCULO DE VIENA Y EL EMPIRISMO LÓGICO Hace unos treinta - Studocu).

Contudo, esse mesmo apego dogmático pode ser visto como nocivo quando impede a consideração de novas evidências ou teorias. Karl Popper, em contraposição a Kuhn, alertou que a suspensão prolongada da dúvida crítica é “um perigo para a ciência” (Dogmatism, Learning and Scientific Pratices). Para Popper e filósofos críticos, o dogmatismo científico leva os pesquisadores a ignorar anomalias ou hipóteses alternativas, retardando o progresso. Paul Feyerabend também criticou o dogmatismo da ciência institucional, defendendo um “anything goes” (vale-tudo) metodológico para evitar que regras rígidas engessem a criatividade científica. Em síntese, dogmatismo científico descreve a tendência de tratar o conhecimento atual como dogma – aceito pela autoridade da “ciência estabelecida” – em vez de mantê-lo aberto a revisão. Essa tendência faz com que frequentemente se considere a teoria mais recente como a correta simplesmente por ser a adotada no momento, até que uma eventual revolução científica a suplante.

Viés do presente (cronocentrismo e “falácia do presente”)

Outra forma de entender essa confiança nas afirmações mais recentes é através do viés do presente – a suposição de que o presente é superior ao passado em conhecimento e visão de mundo. O termo cronocentrismo descreve exatamente essa crença de que “apenas o presente conta e que o passado é irrelevante”, pressupondo que nossa época atingiu o auge da compreensão (Cronocentrismo – Wikipédia, a enciclopédia livre). Em outras palavras, julga-se que a ciência atual é naturalmente mais correta por ser a mais moderna, menosprezando as visões anteriores (às vezes chamadas de primitivas ou “superadas”). Esse viés pode levar à “falácia do presente”, isto é, ao erro de raciocínio de assumir que nossas explicações atuais são verdadeiras apenas porque estamos no tempo presente e “mais avançado”. O sociólogo Jib Fowles definiu cronocentrismo como “o egoísmo de supor que a própria geração está posicionada no auge da história” (Cronocentrismo – Wikipédia, a enciclopédia livre) – um sentimento que certamente se manifesta quando cientistas (ou o público) descartam saberes passados por considerá-los obsoletos, sem reconhecer que no futuro o mesmo pode ocorrer com as teorias de hoje.

Esse fenômeno relaciona-se também com a falácia do apelo à novidade (argumentum ad novitatem). O apelo à novidade é um tipo de falácia lógica em que se assume que uma ideia é correta ou melhor simplesmente porque é nova, enquanto ideias antigas são presumidas falsas ou inferiores apenas por serem antigas (Argumentum ad novitatem – Wikipédia, a enciclopédia livre). Por exemplo, se alguém argumenta que “a única forma correta de fazer X é usando a técnica mais recente”, está incorrendo em apelo à novidade sem analisar evidências. Nos meios científicos, esse viés aparece quando valorizamos descobertas frescas e menosprezamos resultados antigos pelo simples critério da atualidade (Argumentum ad novitatem – Wikipédia, a enciclopédia livre). Claramente, muitas vezes as teorias novas são de fato melhores que as antigas, mas a falácia está em presumir isso automaticamente. Assim, cronocentrismo e apelo à novidade descrevem o impulso de considerar as afirmações científicas mais recentes como as mais corretas pelo fato de serem recentes, esquecendo que novidade não garante veracidade.

Falibilismo e meta-indução pessimista

Em contraste com essas visões que absolutizam o presente, filósofos da ciência propõem o falibilismo – a ideia de que todo conhecimento é provisório e pode ser corrigido. Um importante argumento filosófico que explora o histórico de revisões científicas é a chamada meta-indução pessimista (ou indução pessimista). Esse argumento, associado a autores como Larry Laudan e Hilary Putnam, observa que, historicamente, mesmo teorias de grande sucesso acabaram sendo consideradas falsas ou incompletas. Com base nisso, faz-se uma indução: generalizando a partir das constantes revisões do passado, conclui-se que as teorias hoje aceitas também podem vir a ser consideradas falsas no futuro (). Em outras palavras, se ao longo da história A, B, C… (várias teorias) foram tidas como verdadeiras e depois descartadas, não há motivo para crer que a situação atual seja especial ou imune a erro ( Realism and Theory Change in Science (Stanford Encyclopedia of Philosophy) ). Como colocou Newton-Smith, “o que há de tão especial no presente?” ( Realism and Theory Change in Science (Stanford Encyclopedia of Philosophy) ) – isto é, não devemos presumir que justamente nossas teorias atuais serão as únicas absolutamente corretas.

A indução pessimista apoia-se em uma base empírica histórica: “se observarmos a evolução das teorias científicas em qualquer disciplina, é comum testemunhar a substituição regular das teorias mais antigas por aquelas mais recentes à medida que o conhecimento avança. Do ponto de vista atual, as teorias antigas são frequentemente consideradas falsas... generalizando a partir desses casos, é razoável concluir que as teorias em vigor em qualquer dado momento serão, eventualmente, substituídas e consideradas falsas... Portanto, as teorias atuais são falsas” (). Embora “falsas” aqui soe forte, a ideia é que mesmo as melhores teorias de hoje provavelmente não são a descrição definitiva da realidade, mas sim aproximações que poderão ser refinadas ou substituídas amanhã (exemplo: a física de Newton funcionava bem e foi considerada verdadeira por 200 anos, até ser englobada e corrigida pela relatividade de Einstein ( Realism and Theory Change in Science (Stanford Encyclopedia of Philosophy) )).

O reconhecimento da falibilidade do conhecimento científico é central na filosofia da ciência contemporânea. Ele nos previne contra a tentação de achar que “desta vez chegamos à verdade final”. Laudan (1981), por exemplo, apresentou uma lista influente de teorias outrora bem-sucedidas que hoje julgamos completamente equivocadas (). Entre elas: a teoria do flogisto na química do século XVIII (substituída pela teoria do oxigênio de Lavoisier), a teoria do calórico (fluido do calor) anterior à termodinâmica, o modelo do éter luminífero na física do século XIX (refutado pela teoria da relatividade e pelo eletromagnetismo de Maxwell), além de esferas cristalinas, “átomos de Bohr” originais, etc. A literatura filosófica está repleta de referências à história da ciência como um “cemitério de teorias” outrora aceitas (). Como resume Harrison (2015): “A história da ciência é um cemitério de teorias que ‘funcionaram’ mas foram substituídas” (). Esse panorama histórico embasa a visão de que nenhuma teoria científica deve ser tratada como inquestionavelmente verdadeira – um antídoto tanto ao dogmatismo quanto ao presentismo científico.

Exemplos históricos ilustrativos

Vários exemplos históricos evidenciam essa tendência da ciência de rever suas verdades e o perigo de presumir a correção absoluta das teorias correntes:

  • Astronomia (Geocentrismo → Heliocentrismo) – Por mais de um milênio, o modelo geocêntrico de Ptolomeu (Terra no centro) foi considerado correto. No século XVI, Copérnico propôs o heliocentrismo, desencadeando a Revolução Copernicana (Copernican Revolution | History, Science, & Impact | Britannica). A princípio, a comunidade resistiu (afinal, o geocentrismo era a “ciência estabelecida” medieval), mas gradualmente os dados de Galileu e Kepler provaram que a visão anterior estava equivocada. Esse caso mostra como uma ideia nova e verdadeira pode enfrentar a descrença inicial de quem aposta que o conhecimento vigente já estava certo.

  • Química (Flogisto → Oxigênio) – No século XVIII, os cientistas explicavam a combustão e a oxidação pela presença do flogisto, um princípio invisível liberado pelos materiais ao queimar. Essa teoria era amplamente aceita até que Antoine Lavoisier demonstrou a importância do oxigênio nas reações químicas (1780s), provando que não havia flogisto algum. Durante décadas, porém, o flogisto foi tratado como verdade científica; sua queda ilustra a revisão radical de conceitos básicos. Hoje sabemos que essa substância não existe ().

  • Física (Éter luminífero → Relatividade) – No final do século XIX, assumia-se que deveria existir um meio invisível – o éter – preenchendo o espaço para permitir a propagação da luz (analogia com ondas sonoras exigindo ar). Experimentos como o de Michelson-Morley (1887) não encontraram evidência do éter, mas a ideia persistiu até Einstein, em 1905, postular que a luz não precisava de meio (teoria da relatividade restrita). A comunidade científica custou a abandonar o éter, com alguns físicos apegados à “verdade” vigente; contudo, hoje o éter é considerado uma hipótese falsa (). Novamente, o conhecimento tido como certo revelou-se transitório.

  • Geologia (Fixismo continental → Deriva continental) – No início do século XX, acreditava-se que os continentes estiveram sempre fixos em suas posições atuais. Quando Alfred Wegener propôs em 1912 a deriva continental (antecessora da teoria das placas tectônicas), foi ridicularizado por grande parte da comunidade geológica. A ideia só foi aceita nos anos 1960, com evidências paleomagnéticas e oceânicas robustas. Até lá, o dogma científico era que continentes não se moviam – uma confiança no paradigma que se mostrou equivocada, exigindo uma mudança de visão. Este caso histórico demonstra como mesmo cientistas podem resistir a novas teorias corretas por acreditar firmemente no conhecimento atual.

Além desses, há muitos outros exemplos (da medicina, da biologia, etc.) que reforçam a necessidade de humildade epistêmica. A história mostra que o conhecimento científico evolui e que cada geração tende a considerar seu entendimento como o mais acertado – mas as gerações seguintes frequentemente identificam erros ou limitações nesse entendimento.

Conclusão

Em resumo, a tendência de enxergar as afirmações científicas mais recentes como as mais corretas pode ser analisada por vários conceitos filosóficos. O cientificismo e o dogmatismo científico alertam para os perigos de atribuir autoridade quase infalível à ciência atual, enquanto a falácia do presente (ou viés cronocêntrico) descreve o preconceito de valorizar excessivamente o agora em detrimento do passado. Por sua vez, argumentos como a meta-indução pessimista nos lembram, com base em exemplos históricos, que nenhuma teoria presente deve ser tratada como verdade definitiva, pois a ciência está em contínuo aperfeiçoamento. Exemplos históricos – da revolução copernicana à queda do flogisto, do éter e de tantas outras “certezas” científicas – oferecem uma lição de cautela: a ciência avança corrigindo a si mesma. Adotar uma perspectiva filosófica falibilista e historicamente informada ajuda a evitar tanto o triunfalismo ingênuo (“agora sabemos tudo”) quanto o ceticismo absoluto, equilibrando confiança no método científico com reconhecimento de suas revisões e limites.

Referências selecionadas:

  • Karl Popper (1959). The Logic of Scientific Discovery. [Discussão do caráter provisório da ciência e crítica ao dogmatismo].
  • Thomas Kuhn (1962). The Structure of Scientific Revolutions. [Introduz os conceitos de paradigma, ciência normal e revoluções científicas] (Parcial epistemologia - NEOPOSITIVISMO: CIRCULO DE VIENA Y EL EMPIRISMO LÓGICO Hace unos treinta - Studocu).
  • Larry Laudan (1981). “A Confutation of Convergent Realism”. Philosophy of Science, 48(1), 19–49. [Apresenta a meta-indução pessimista com exemplos históricos de teorias abandonadas] () ().
  • Jib Fowles (1974). “Chronocentrism”. Futures, 6(2), 142–151. [Discute o viés de considerar o presente superior ao passado] (Cronocentrismo – Wikipédia, a enciclopédia livre).
  • Sorensen, Roy (2013). A Cabinet of Philosophical Curiosities. [Menciona o “cemitério” de explicações baseadas em flogisto e éter] ().
  • Harrison, Peter (2015). The Territories of Science and Religion. [Refere-se à história da ciência como um cemitério de teorias que funcionaram mas foram substituídas] ().