segunda-feira, 29 de junho de 2015

O Federalismo e a Democracia na Suíça

18 maio 2011
NAYARA GRACIELA SALES BRITO: Mestranda em Direito Penal pela PUC/SP e bolsista do CNPq. Advogada.


Sumário:  Introdução – 1Justificativa da escolha do tema– 2 Dados oficiais sobre a Suíça– 3  Dados históricos sobre a Suíça– 4 A Constituição Federal de 1999 –5 O federalismo suíço – 5.1 Organização Político-Administrativa – 5.2 Da Organização dos Poderes – 5.3 A Questão do Voto Feminino – 5.4 Sistema educativo da Suíça – 6 Sistemas e Famílias Constitucionais – 7 A democracia – 7.1 Conceito de democracia – 7.2 A democracia suíça – 8 A nação suíça – Conclusões -  Referências.

Introdução
O presente trabalho apresenta alguns dados oficiais da Suíça, tais como,  território, população e línguas, bem como um escorço da história do país, desde a antiguidade até o advento da atual Constituição Federal.
Há a exposição sobre o federalismo suíço em alguns de seus aspectos, quais sejam, a organização político-administrativa, a organização dos poderes, a questão do voto feminino e o sistema educativo.
Aponta-se a qual família de direitos pertence a Suíça. Aborda-se, outrossim, o tema da democracia na Suíça, que é, em regra, semi-direta, com a previsão constitucional de dois instrumentos de participação popular, a saber: a iniciativa popular e o referendo. Tais instrumentos são bastante utilizados no país e possuem peculiaridades diversas da iniciativa popular e do referendo no Brasil. Como exceção, existe a democracia direta na Suíça. Trata-se do único caso, no mundo atual, de participação direta do povo.
Por fim, exsurge a indagação acerca da identidade da Suíça como uma nação, já que ela é formada por diferentes povos, línguas, culturas, religiões, etc.
1.      Justificativa da escolha do tema
A Suíça é um país marcado por diversas peculiaridades que o tornam um interessante objeto de estudo, principalmente no que se refere a sua sociedade, seu federalismo e sua democracia.
Leslie Lipson, professor de Ciência Política da Universidade da Califórnia, prescreve, em “A Civilização Democrática”, a seguinte frase: “Na Suíça, nada é normal”[1]. O autor aponta algumas provas para essa afirmação, como o elevado grau em que a iniciativa e o referendo são usados, um Estado federal sem crítica judicial das leis federais, a incapacidade eleitoral das mulheres[2] e o tipo colegiado do Poder Executivo. Para Lipson, tudo isso se combina “com assustadora estabilidade”[3].
Diante do exposto, necessária se torna, inicialmente, a exposição acerca dos principais dados da Suíça, tais como o território, a população e as línguas oficiais.
2.      Dados Oficiais sobre a Suíça
Cumpre aduzir que a Confederação Suíça é um Estado Federativo, situado num território com cerca de 41.000 (quarenta e um mil) quilômetros e possui 7 (sete) milhões e quinhentos mil habitantes, aproximadamente.  
A Suíça é um país montanhoso, situado no centro da Europa. Possui fronteiras com a Itália, França, Alemanha, Áustria e Liechtenstein.
Não obstante a sua pequena dimensão territorial e o reduzido número de habitantes, principalmente se comparados ao Brasil, trata-se de um país fragmentado, com quatro línguas oficiais (alemão, francês, italiano e romanche) e com culturas muito diferentes umas das outras.
Importa assinalar que o alemão é a língua mais falada do país (63.7% da população), seguida do francês (20.4%), italiano (6.5%) e romanche (0.5%). [4]
O romanche foi reconhecido como língua oficial da Suíça apenas em 1938, enraizado no cantão dos Grisões. Tal língua é falada por cerca de cinquenta mil pessoas no país. Cuida-se de uma língua neolatina do ramo ocidental. Acredita-se que ela descende do latim vulgar proferido pelos romanos que ocuparam a área na antiguidade.
Desse modo, em razão das diversas características da sociedade, a Suíça não poderia ter uma ordem política, social, econômica ou jurídica rígida e centralizada.
Para se compreender melhor a sociedade helvética e a sua Constituição Federal, primordial se faz o conhecimento de sua história.
3.      Dados Históricos sobre a Suíça
Victor Hugo escreveu uma obra épica denominada “La Légende des Siècles”[5], a qual evoca a história do mundo e mistura a lenda com a realidade. Na primeira série de sua obra, há um poema sobre a Suíça, no qual ele exalta suas belezas naturais e a harmonia do povo.[6]
Todavia, nem sempre a Suíça foi neutra e pacífica, tendo em vista que seu povo vivenciou muitas guerras.
Os manuais escolares da Suíça apontam o dia primeiro de agosto de 1291 como a data de nascimento da Confederação helvética, momento em que foi assinado o Pacto que unia três pequenos povos, a saber: Uri, Schwyz e Unterwald, conforme preleciona Denis de Rougemont. [7]
No entanto, importa mencionar que suas raízes remontam à antiguidade, mais precisamente ao século I antes de Cristo. Os primitivos habitantes do território suíço formavam a tribo dos helvécios, povo de origem celta. O nome da tribo originou a atual designação oficial da Suíça, qual seja, Confederação Helvética. 
Os helvécios saíram do que é hoje a Alemanha Meridional e estenderam o seu movimento para o ocidente, onde se confrontaram com os romanos, sendo definitivamente recuados para o Planalto suíço pelas tropas de Júlio César no ano de 58 antes de Cristo.
O território dos helvécios encontrou-se, então, sob o domínio romano e a sociedade passou por sua primeira grande transformação, dado que foram criadas estradas, os povoados se desenvolveram e várias cidades e aldeias suíças foram fundadas pelos romanos, tais como Zurique e Genebra.
Na Idade Média, a nobreza e o clero se enriqueceram e transformaram positivamente a atividade cultural. Verifica-se tal fato com o surgimento de fortalezas imponentes, castelos, conventos e novas cidades.
Em 1291, os representantes de 3(três) cantões (Uri, Schwyz e Unterwald) assinaram a Carta de Aliança, com o objetivo de se unirem  nas lutas, principalmente contra o domínio dos Habsburgo, então detentores do Sacro Império Romano-Germânico. Cuida-se, destarte, de uma aliança defensiva para garantir e consolidar a própria soberania:
A finales del siglo XIII surgió primero uma alianza defensiva entre los valles de Uri, Schwyz y Unterwald com miras a salvaguardar y consolidar La propia soberania. La protección de su independencia frente a las casas reales de las potencias europeas  limítrofes constituyó el vínculo que había de mantener unidos a los desiguales miembros de esta alianza.[8] 
Assim, nasceu uma Confederação flexível, de regiões autônomas. Os membros desta aliança sempre saíam favorecidos dos conflitos, de maneira que tal Confederação foi se consolidando e tornando-se mais atrativa para os potenciais aliados.
Deste modo, foi formada uma Confederação de oito, depois de treze cantões, em 1513. Esta associação frágil serviu, de início, para a defesa comum da independência e de suas peculiaridades, reivindicada por cada um dos cantões e, depois, numa segunda fase, para conquistar novos territórios.
Ocorre que, em 1798, a Suíça foi ocupada pelas tropas francesas e, em 12 de abril deste ano, foi proclamada a República Helvética, una e indivisível. Desta forma, os direitos de soberania cantonal foram abolidos. As forças de ocupação estabeleceram um estado centralizado, baseado nas ideias da Revolução francesa. Estes propósitos progressistas encontraram grande resistência, particularmente nas áreas centrais do país.
Finalmente, em 1803, Napoleão Bonaparte pôs fim à luta entre federalistas e centralizadores, editando uma Ata de Mediação, por meio da qual a Suíça se tornou uma República Federativa de dezenove cantões.  Com a queda do imperador, a Suíça tornou-se, novamente, uma Confederação bastante flexível, de vinte e dois cantões.
Em 1815, a neutralidade da Suíça foi reconhecida no plano internacional e, após 1830, sob a pressão de vários movimentos populares, doze cantões introduziram ideais liberais em suas Constituições.
Impende notar que, em 1848, ao término de uma curta guerra civil entre os cantões católicos conservadores e os protestantes, houve a fundação do Estado Federativo Suíço.
Dessa maneira, a Confederação Suíça adotou, em 1848, uma Constituição Federal, com preceitos fundamentais republicanos, calcados nos valores proclamados pela Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.
No que tange à Constituição da Confederação Suíça de 1848, vale aduzir que seus valores baseiam-se em uma formulação calvinista da ética protestante, consoante abaixo exposto:
“Por ello, la Suiza actual se puede considerar producto de la burguesia del siglo XIX, cuyos valores se basan em uma formulación calvinista de la ética protestante: capitalismo, liberalismo, individualismo.”[9]
Saliente-se que, na Suíça, tal como nos Estados Unidos da América do Norte, havia Estados soberanos que se uniram para formar a Federação. Trata-se do federalismo por agregação. Já no Brasil, ao revés, a “Federação nasceu de forma artificial”[10], já que primeiro houve a criação do Estado central e, depois, ocorreu a concepção das Unidades Federativas (federalismo por segregação).
Picavet cita os Estados Unidos da América do Norte como exemplo inspirador da Constituição Federal Helvética de 1848, em razão de esta ter consagrado dois elementos do regime federativo, quais sejam, o nacional ou geral e o cantonal ou particular:
(...) Um regime fédératif, qui tienne compte des deux éléments existant actuellement, à savoir l’élément national ou général, et l’élément cantonal ou particulier(...) Pour arriver à ce résultat, les rédacteurs de la Constituition de 1848 s’inspirérent de l’exemple des Etats Unis(...)[11]
Sucede que a Constituição Federal de 1848 foi totalmente revisada em 1874. A partir desta data, houve cento e quarenta revisões parciais. Deste modo, a Constituição Federal de 1848 estava defasada, já que era dotada de dispositivos obsoletos e supérfluos. Houve, então, a necessidade de a Suíça adotar um novo texto constitucional, que traduzisse a realidade do Estado Federal, na língua de sua época e de uma forma compreensível.
Diante disso, em 1987, o Conselho Federal foi encarregado de submeter ao Parlamento um projeto (aprovado pelo povo e pelos cantões) dando origem à nova Constituição Federal. Em 1999, foi promulgada a nova Constituição.
4.      A Constituição Federal de 1999
A atual Constituição Federal da Confederação Suíça é  de 18 de abril de 1999, em vigor desde o dia 1º de janeiro de 2000. Ela foi aprovada pela regra da dupla maioria, ou seja, pela maioria do povo e dos cantões.
A Constituição suíça de 1999 possui 197 (cento e noventa e sete) artigos e está dividida em seis partes, a saber: 1)Disposições Gerais, 2) Direitos Fundamentais, Cidadania e Objetivos Sociais, 3)Confederação, cantões e municípios, 4) Povos e Cantões, 5) Autoridades Federais, 6) Revisão da Constituição Federal e de disposições transitórias.
Pela leitura dos dispositivos, verifica-se que o federalismo figura em destaque na Constituição Federal. Inúmeros artigos, ao longo de toda a Constituição, tratam dos Cantões em seus diversos aspectos.
Ressalte-se que o próprio preâmbulo da Constituição helvética faz referência aos Cantões:
Em nome de Deus Onipotente!
O povo suíço e os cantões, conscientes de sua responsabilidade perante a criação, no esforço de reiterar a Confederação, para fortalecer a liberdade e a democracia, a independência e a paz, em solidariedade e sinceridade perante o mundo (...)[12] 
Cabe asseverar que a nova Constituição não trouxe mudanças notórias no que concerne ao sistema político suíço.
A Lei Maior de 1999 enumera, expressamente, os direitos e as liberdades fundamentais garantidas pela Confederação (art 7º ao 36), bem como define seus objetivos sociais (at. 41), princípios econômicos, destacando-se o respeito a um regime liberal em matéria de concorrência (arts. 94 e 96).
O primeiro direito fundamental nela disposto (art. 7°) é a dignidade da pessoa humana. Cumpre realçar que foi inspirador deste dispositivo o art. 1º da Lei Fundamental de Bonn, de 1949, o qual erigiu a dignidade da pessoa humana como direito fundamental, em razão dos fatos bárbaros ocorridos na Alemanha e jamais esquecidos na história: a triste página do Nazismo. O exemplo da Constituição alemã inspirou, outrossim, a Lei Maior do Brasil, na qual a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, princípio norteador das relações internacionais, bem como direito fundamental.
Cabe informar que a Constituição suíça de 1999 introduziu a proibição da pena de morte no país, conforme o estatuído no art. 10: “(...)Todos têm direito à vida. A pena de morte é proibida (...)”[13].
Ademais, a Constituição sob apreço trata da responsabilidade individual e coletiva no art 6º, segundo o qual “toda pessoa é responsável por si mesma e contribui, conforme a sua capacidade, para a consecução das tarefas no Estado e na sociedade”.[14]
Vale assinalar que a Constituição da Suíça contempla várias questões referentes à genética humana, descritas nos arts. 119 e 120, com base num referendo realizado em 1999.
No que concerne ao Direito Penal, nota-se a competência legislativa dos cantões, conforme dispõe o art. 123, n. 1: “A legislação no âmbito penal é assunto dos cantões”[15]. Outrossim, há um dispositivo específico que cuida da assistência às vítimas: “art. 124 A Confederação e os cantões velam para que as pessoas, prejudicadas na sua integridade física, psíquica ou sexual por um delito, recebam assistência e sejam indemnizadas apropriadamente se, em função do delito, sofrerem dificuldades econômicas”[16].
5.      O Federalismo na Suíça
A Suíça é um Estado Federal desde 1848. Depois dos Estados Unidos da América do Norte, é o mais antigo dos estados federais existentes no mundo.
Anhaia Mello[17] aduz que é difícil a definição de Estado Federal, tendo em vista que tal objeto não possui contornos precisos, constantes e perfeitamente delimitados.
Com efeito, cada Estado Federal possui suas próprias características, principalmente no que concerne à forma de repartição de suas competências, bem como ao grau de federalismo adotado.
No entanto, pode-se apontar características comuns a todas as federações, tal como o fez Luiz Alberto David Araujo[18]:
a) o Estado Federal pressupõe, no mínimo, duas ordens jurídicas, uma central e outra parcial;
b) as ordens jurídicas parciais são dotadas de autonomia, que se revela por competências próprias, possibilidade de auto-organização e de escolha de seus governantes e dos membros do Poder Legislativo, que terão competência para legislar sobre as matérias fixadas na Constituição Federal;
c) a Constituição Federal, que trará a repartição constitucional de competências, deve ser rígida e escrita, trazendo cláusula que proteja a forma federativa de pretensões de alteração desse sistema;
d) o Estado Federal tem como instrumento jurídico uma constituição e tem na indissolubilidade do pacto federativo traço essencial;
e) as vontades parciais se fazem representar na elaboração da vontade geral através do Senado Federal, que deve guardar a isonomia dentre as vontades parciais;
f) deve haver guardião da Constituição, zelando pelo cumprimento da repartição das competências;
g) em casos extremos, a União Federal decretará a intervenção federal, agindo em nome de todas as vontades parciais onde inexistir motivo ensejador da medida, situação que se fundamenta na necessidade de se evitar a desagregação da Federação.
Dalmo de Abreu Dallari assevera que se deve ter em mente que o Estado Federal é uma criação do século XVIII, para uma melhor compreensão de suas características, conforme abaixo destacado:
Embora o termo federalismo seja empregado muitas vezes em sentido genérico e impreciso para significar ‘aliança de Estados’, tecnicamente Estado Federal corresponde a determinada forma de Estado, criada pelos norte-americanos no final do século XVIII(...) A fixação do nascimento do Estado Federal nas últimas décadas do século XVIII, na América do Norte, é um ponto fundamental para a compreensão de suas características, de seus objetivos, de seu funcionamento e de sua evolução.[19]
Ressalte-se que a organização política adotada pelas nações possui fundamentos históricos e culturais. Nos países mais desenvolvidos, os sistemas descentralizados são formados pela associação de diversas comunidades, como são os casos dos Estados Unidos da América do Norte e da Suíça.
O federalismo pode assumir diferentes formas, tais como confederação, união, liga, federação, dentre outras. A Suíça é uma Confederação, conforme a sua definição constitucional.
Como já relatado, o modelo suíço, assim como o norte-americano e o germânico, consubstanciam-se em um federalismo por agregação, em que Estados  soberanos se unem por um pacto federativo. Trata-se da chamada Federação por força centrípeta.
Cumpre abordar alguns aspectos do federalismo suíço, a saber: a organização político-administrativa, a organização dos poderes, a questão do voto feminino e o sistema educativo.
5.1  Organização Político-Administrativa
A organização político-administrativa suíça compreende três níveis estatais, quais sejam, a Confederação, os Cantões e, num limite mais restrito, as Comunas. Todos eles são competentes para legislar, executar e julgar.
Atualmente, há 26 (vinte e seis) cantões e 2.715 (duas mil e setecentas e quinze) comunas. Os 26 (vinte e seis) cantões são soberanos e independentes, de acordo com os arts. 3º e 47 da Constituição Federal. Eles podem exercer todos os direitos e competências que não são atribuídos exclusivamente à Confederação (art. 3º).
Insta registrar que os cantões dispõem de sua própria constituição, que é votada pelo povo e submetida à aprovação do Parlamento federal. Os cantões editam também leis e regulamentos. Eles determinam os direitos de suas comunas, cuja autonomia é garantida pela Constituição Federal.
 O Presidente do Tribunal Federal da Suíça proferiu, em 2008, um discurso perante o Supremo Tribunal Federal do Brasil. Ele consignou, então, que a competência executiva e a judiciária dos cantões são bem amplas, não se limitando ao direito cantonal, mas abrangendo, também, o direito federal. Com efeito, os cantões executam o direito federal juntamente com as autoridades federais, assim como os tribunais cantonais conhecem das questões jurídicas relativas ao direito civil, penal e ao direito público federal.[20]
Impende enaltecer um princípio básico do federalismo, segundo o qual os cantões e as comunas só devem delegar à Confederação os encargos que não possam assumir. Na Suíça, existem, por exemplo, 26 (vinte e seis) sistemas de procedimento penal.[21]
Anhaia Mello questiona a soberania dos cantões suíços. Segundo o autor, “essa soberania é mais de fachada”[22]. Para tal constatação, ele cita o art. 3º da Constituição Federal de 1848, o qual foi repetido pelo art. 3º da Constituição de 1999, segundo o qual os cantões exercem todos os direitos não delegados ao poder federal. Nesses termos, o autor explica:
Ora, nessas condições, a soberania dos Cantões só pode ser de fachada, como se afirmou.
Como se nota, a expressão ‘soberanos’ reservada aos Cantões pela Constituição Federal é meramente declaratória, não expressando nada que se pareça com direito e efetividade. A vontade federal é a mais forte, e o pronunciamento da Confederação submete os Cantões, os quais a ela devem se ater.[23]
5.2 Da Organização dos Poderes
O Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário, na Suíça, são claramente separados e não são exercidos pelas mesmas pessoas.
Cumpre declarar que o Poder Executivo federal suíço é representado por um Conselho Federal, um colegiado de 7 (sete) membros. O Presidente do Conselho Federal é um de seus membros e é eleito pelos próprios conselheiros federais. Ele possui poderes muito limitados. Ao contrário da maioria dos outros países, o governo suíço não dispõe nem de primeiro-ministro, nem de chefe de Estado permanente.
Na verdade, segundo ensina Leslie Lipson[24], os suíços se opõem de forma veemente a quaisquer arranjos que concedam proeminência a uma pessoa. Essa aversão à força da individualidade existe em razão de uma história que os envolveu, repetidamente, em lutas com imperadores, duques e papas. Desconfiando dos líderes, os suíços consideram o poder necessário, mas perigoso e, por isso, atribuem-no a uma comissão.
Assim, quando os suíços estavam convertendo sua confederação tênue numa união mais estreita, em 1848, decidiram adotar algumas características do federalismo norte-americano, a exemplo do sistema bicameral. Mas, no que tange ao Poder Executivo, seguiram os velhos costumes, já que, há muito tempo, as Comunas e os Cantões já estavam habituados ao Poder Executivo colegiado.
Os sete membros do Conselho Federal são eleitos, por um período de quatro anos, pelas duas Câmaras do Legislativo Federal, quais sejam, o Conselho Nacional e o Conselho dos Estados.
Desde 1848, o Conselho Nacional e o Conselho dos Estados são os dois principais órgãos do Poder Legislativo Federal.
O Conselho Nacional é constituído por duzentos lugares. Os seus deputados são eleitos por um período de quatro anos através de um sistema de representação proporcional. O Conselho dos Estados é composto por dois representantes de cada Cantão e por um representante de cada semi-cantão.
A organização judiciária da Suíça também é marcada pelo federalismo. Os vinte e seis cantões são competentes para organizar seus próprios tribunais e regular o direito processual. Existem, portanto, vinte e seis organizações judiciárias completas e independentes.
O Tribunal Federal é a suprema autoridade judiciária da Confederação. Os seus membros são eleitos pelo Parlamento, pelas duas Casas reunidas para este fim. Quando da eleição, o Parlamento leva em consideração a representatividade proporcional dos partidos políticos, as quatro línguas nacionais e as diferentes regiões da Suíça. Eles são eleitos por um prazo de seis anos, sendo reeleitos, via de regra.
O Parlamento exerce vigilância sobre o Tribunal Federal, segundo dispõe o art. 169 da Constituição Federal. Mas a independência da Corte é garantida. A Constituição prevê que o Tribunal Federal e os tribunais em geral são independentes no exercício de suas competências jurisdicionais e são submetidos somente à lei.
5.3  A Questão do Voto Feminino
No que tange ao sufrágio feminino, ressalte-se que, atualmente, as mulheres possuem capacidade eleitoral. O direito ao voto e de elegibilidade das mulheres apenas foram implementados, em âmbito federal, em 1971.
Vale registrar que a Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo que reconheceu o direito do voto feminino, em 1893. Neste país, desde 1886, as mulheres já possuíam direitos políticos, mas em âmbito municipal. Em 1902, a Austrália concedeu o direito de voto às mulheres, com algumas restrições. O primeiro país europeu que concedeu o direito ao voto feminino foi a Finlândia, em 1906.
No Brasil, o Código Eleitoral Provisório de 1932 passou a permitir a participação feminina nas eleições nacionais, mas restrita às mulheres casadas com o aval dos maridos, bem como às viúvas e solteiras com renda própria. O Código Eleitoral de 1934 retirou essas restrições e previu o direito de voto a todas as mulheres, mas tal direito era apenas facultativo. O voto feminino tornou-se obrigatório no nosso ordenamento jurídico em 1946.
A reserva do sufrágio apenas aos homens era um dos aspectos mais controversos da democracia suíça. Jean-François Aubert[25], em “Traité de Droit Constitutionnel Suisse”, de 1967, elenca diversos motivos conservadores e machistas que eram alegados contra o voto feminino, tais como: “as mulheres nada entendem de política”, “o lugar de mulher é em casa”, “as mulheres não prestam serviço militar”, dentre outros.
Jean-François critica todos os motivos contrários ao voto feminino, com exceção de um que, segundo o autor, é o mais plausível, a saber: o sufrágio feminino deve ser introduzido, primeiro, em todos os cantões, para depois ser prescrito no nível federal.
Na verdade, a principal razão do atraso da Suíça em relação aos outros países da Europa e, até mesmo, ao Brasil, no que tange ao direito de voto das mulheres, é a própria democracia vigente no país. Para a introdução do sufrágio universal em âmbito federal, havia a necessidade de modificação da Constituição suíça de 1848. Para tanto, exigia-se a aprovação da maioria do povo, ou seja, dos homens. Além disso, deveria ser aprovada pela maioria dos cantões. Cuida-se da regra da dupla maioria.
No primeiro referendo, realizado em 1959, o sufrágio feminino foi rejeitado por 67% dos votantes e por 22 dos 25 cantões. Na segunda tentativa, ocorrida em 1971, o voto das mulheres foi aceito por 66% dos eleitores, rejeitado por 8 (oito) cantões e aceito, com reservas, em 4 cantões.[26]
Esse exemplo do sufrágio feminino demonstra bem como o federalismo suíço assegura a todos os cantões o poder de tomar parte em todas as decisões em nível federal e, ao mesmo tempo, sua soberania em nível cantonal. Este sistema respeita a autonomia dos cantões, tolerando as disparidades regionais. A mulher, por exemplo, que vivia nos cantões de Genebra ou de Vaud, já podia desfrutar dos direitos ao voto em 1959, já a que residia em Appenzell teve que esperar muito mais tempo, dado que só adquiriu esse direito em 1989 (após a própria aprovação em nível federal).
Não obstante o retardo para a aquisição do direito de participação política das mulheres na Suíça, a partir de janeiro de 2011, pela primeira vez, o país terá um governo de maioria feminina:
Dos sete ministros que compõem o governo federal suíço, chamado aqui de Conselho Federal, quatro serão mulheres a partir de janeiro de 2011. Três já estavam no governo e, com a eleição da senadora Simonetta Sommaruga, do Partido Socialista (PS), o governo federal passará a ter quatro mulheres e três homens. Não é banal, considerando-se que as mulheres obtiveram o direito de voto no plano federal apenas em 1971.[27]
Vale demonstrar, por meio de dados oficiais, a evolução da participação feminina no cenário político do país, especialmente no Conselho Federal, de 1984 a 2010[28]:
Les femmes élues au Conseil fédéral depuis 1984

Femmes
Hommes
Femmes en %
Parti des
Femmes
jusqu'en 1984
0
7
-

1984-1989
1
6
14.3
PRD
1989-1993
0
7
-

1993-1999
1
6
14.3
PSS
1999-2003
2
5
28.6
PDC, PSS
2004-2006
1
6
14.3
PSS
2006-2007
2
5
28.6
PDC, PSS
2008-2010
3
4
42.9
PDC, PSS, PBD *
dès 2010
4
3
57.1
PDC, PSS (2), PBD
* La Conseillère fédérale élue en 2007 était membre de la section UDC des Grisons, mais n'était pas reconnue par le groupe parlementaire de l'UDC. Mi-2008: exclusion de la section UDC des Grisons de l'UDC suisse et adhésion au PBD (Parti bourgeois démocrate) nouvellement fondé.
5.4  Sistema educativo da Suíça
Outro exemplo do federalismo e da independência dos Cantões é o sistema educativo suíço, já que ele é caracterizado por uma estrutura altamente descentralizada. As competências são partilhadas entre os três níveis estatais, quais sejam, a Confederação, os Cantões e as Comunas.
No entanto, a maioria das decisões que afeta o ensino primário e secundário é feita pelos cantões e são os mesmos que suportam o peso dos encargos financeiros no que se refere à escolaridade obrigatória.
Essa estrutura descentralizada permite uma melhor consideração das diferenças culturais e linguísticas de cada região. Assim, não há um ministro nacional da educação. Em cada cantão oficia um diretor de educação pública. Da mesma forma, cada cantão possui as suas próprias leis, escolas e goza de considerável autonomia para organizar seu sistema educacional.
Ressalte-se a existência de uma entidade nacional, denominada Conferência dos Secretários Cantonais de Instrução Pública ou, em francês, “Conférence suisse des directeurs cantonaux de l'instruction publique”(CDIP), encarregada da coordenação de um projeto de homogeneização do ensino público obrigatório.
Ante o depreendido, pode-se estabelecer uma relação de semelhança entre o sistema educativo suíço e os dos Estados Unidos da América do Norte e Canadá. Nestes dois países, há a obrigação do governo central de garantir o livre acesso à educação, mas diversamente do que ocorre na maioria dos outros países, não lhe confere qualquer atribuição para o seu êxito. Tal responsabilidade recai sobre os estados e as províncias, assim como acontece com os cantões suíços.
Outro aspecto de similitude desses sistemas é a existência de organismos educacionais locais que são responsáveis pela educação pública da pré-escola ao ensino médio (distritos escolares nos Estados Unidos e juntas escolares no Canadá).
6        Sistemas e Famílias Constitucionais.
Os sistemas jurídicos dos países são muito distintos. No entanto, os especialistas do Direito Comparado os agrupam em famílias, segundo critérios, a exemplo dos fundamentos de direito, fontes do direito e princípios de interpretação. Trata-se, portanto, do agrupamento em razão de determinadas semelhanças.
Cumpre aduzir que o direito suíço pertence à família romano-germânica, segundo afirmam Yves Le Roy e Marie-Bernadette[29], professores da faculdade de direito de Fribourg, na Suíça, na obra “Introduction générale au droit suisse”. Os autores adotam a classificação proposta pelo professor René David, no seu livro “Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo”. David apresenta quatro famílias, a saber: a romano-germânica, os Direitos socialistas, o sistema de Common Law e os Direitos religiosos e tradicionais.
Vale destacar a explanação de René David acerca da família de direito romano-germânica[30]:
Esta família agrupa os países nos quais a ciência do direito se formou sobre a base do direito romano. As regras de direito são concebidas nestes países como sendo regras de conduta, estreitamente ligadas a preocupações de justiça e de moral(...)A partir do século XIX, um papel importante foi atribuído, na família romano-germânica, à lei; os diversos países pertencentes a esta família dotaram-se de ‘códigos’(...) A família de direito romano-germânica tem o seu berço na Europa. Formou-se graças aos esforços das universidades européias, que elaboraram e desenvolveram a partir do século XII, com base em compilações do imperador Justiniano, uma ciência jurídica comum a todos, apropriada às condições do mundo moderno.
Impende anotar a aproximação do sistema de direito da Suíça com o ordenamento brasileiro, já que ambos são marcados pela influência do sistema romano-germânico. Destaca-se a importância do Poder Legislativo na Suíça e no Brasil, dado que valem mais as leis do que os costumes.
7        A democracia
7.1 Conceito de democracia
Não existe um conceito único de democracia.
Do ponto de vista meramente formal, os modelos de regimes democráticos são classificados em democracia direta, democracia indireta (representativa) democracia semidireta (participativa). Há, outrossim, outro modelo, ligado diretamente à forma como os governantes atuam em regimes de transição democrática, a saber: ademocracia delegativa.
A democracia direta pode ser caracterizada como o regime político em que “governantes e governados se confundem no exercício do poder estatal”[31], não existindo a intermediação entre a vontade do povo e as decisões políticas do Estado.
Democracia indireta, ou representativa, é aquela em que há eleições periódicas, por meio das quais o povo escolhe as pessoas que irão representá-lo, para em seu nome tomar as decisões políticas de seu interesse.
Uma democracia semidireta é aquela em que existe a combinação de representação política com formas de democracia direta.[32]
Dalmo Dallari[33] explica que há uma relação entre a ideia moderna de democracia e aquela que se encontra na Grécia antiga, já que ambas respeitam a noção de governo do povo. No entanto, há uma diferença fundamental quanto à noção do que seja “povo”.
Nesse sentido, Dallari cita o Livro III de “A Política”, de Aristóteles, no qual este filósofo afirma que o governo pode caber a um só indivíduo, a um grupo ou a todo o povo. Mas Aristóteles esclareceu que o nome de cidadão não deveria se referir aos artesãos ou mercenários. Para ele, a virtude política, que é a sabedoria de mandar e de obedecer, só pertence àqueles que não têm necessidade de trabalhar para sobreviver.
Essa ideia restrita de povo modificou-se bastante, sobretudo no século XVIII, “quando a burguesia, economicamente poderosa, estava às vésperas de suplantar a monarquia e a nobreza no domínio do poder político”[34].
Assim, houve influência das ideias gregas para a afirmação do governo democrático como o governo de todo o povo, todavia, com uma grande mudança no sentido de quem seja o povo.
7.2 A democracia suíça
Na Suíça, em questões essenciais, a palavra do povo merece grande relevo.
O povo suíço gosta de considerar-se como detentor da democracia mais antiga do mundo. No entanto, o exercício da democracia direta iniciou-se nas cidades-Estado da Grécia antiga, entre os séculos IV e V a. C.
Maurice Batelli, na obra “Les institutions de Démocratie Directe en Droit Suisse et Compare Moderne”, destaca a  influência de Rousseau para a democracia moderna suíça. Suíço, de Géneve, Rousseau expôs as teorias democráticas na sua obra “Contrato social”, em 1762. Ele declara que o povo é soberano e que sua soberania é inalienável, indivisível, ilimitada e que não pode ser delegada.[35]
O sistema suíço atual pode ser definido como democracia semi-direta.[36]  Mas ainda sobrevive a democracia direta num cantão e num semi-cantão do país (Glaurus e Appenzell Rhodes-Interiores, respectivamente)[37]. Referida participação direta do povo é chamada, na Suíça, de “Landsgemeinde”.
No século XIII, os suíços já realizavam a “Landsgemeinde”. Trata-se de uma assembleia anual, aberta a todos os cidadãos com direito de voto dos Cantões, na praça principal da cidade. Eles aprovam as decisões levantando os braços. Ela existia nos pequenos Cantões da Suíça central e oriental. Sua abolição começou no século XIX. O seu procedimento se assemelha quase totalmente ao das assembleias existentes na Antiguidade Clássica.
No que tange à “Landsgemeinde”, Dallari preleciona:
Durante séculos a Landsgemeinde foi o órgão supremo em todos os pequenos Cantões da Suíça central e oriental, começando a sua abolição no século XIX. Trata-se de uma assembléia, aberta a todos os cidadãos do Cantão que tenham o direito de votar, impondo-se a estes o comparecimento como um dever. A Landsgemeinde reúne-se ordinariamente uma vez por ano, num domingo da primavera, podendo, entretanto, haver convocações extraordinárias. Na maioria dos casos só foi admitida a convocação pelo Conselho Cantonal, havendo Cantões, entretanto, que admitiram a convocação por certo número de cidadãos. Há uma publicação prévia dos assuntos a serem submetidos à deliberação, podendo ser votadas proposições de cidadãos ou do Conselho Cantonal, remetendo-se a este todas as conclusões.[38]
Ressalte-se que este é o único exemplo, na atualidade, de participação popular sem a intermediação de representantes.
Muitos autores criticam este modelo de democracia direta no sentido de que tal prática só poderá mesmo ocorrer “onde o colégio eleitoral seja muito restrito, o que, por si só, é suficiente para torná-la inviável no mundo atual”.[39]
No que se refere à dificuldade da prática da democracia direta, Rousseau profere:
Em primeiro lugar, um Estado muito pequeno em que o povo seja fácil de reunir e em que cada cidadão possa facilmente conhecer todos os outros; em segundo lugar, uma grande simplicidade de costumes que previna a multiplicidade de assuntos e as discussões espinhosas; em seguida, muita igualdade nas categorias e nas fortunas, sem o que a igualdade não poderia subsistir muito tempo nos direitos e autoridade; finalmente, pouco ou nenhum luxo, pois o luxo é o efeito das riquezas ou torna-as necessárias; corrompe ao mesmo tempo o rico e o pobre, um pela posse, outro pela cobiça; vende a pátria à inércia, à vaidade; tira ao Estado todos os seus cidadãos para os sujeitar uns aos outros e todos à opinião.[40]
Dallari[41] propõe o uso da tecnologia como solução para um dos principais obstáculos à atual concretização da democracia direta, qual seja, a grande dimensão territorial da maioria dos países, conforme vejamos:
No momento em que os mais avançados recursos técnicos para captação e transmissão de opiniões, como terminais de computadores, forem utilizados para fins políticos será possível a participação direta do povo, mesmo nos grandes Estados. Mas para isso será necessário superar as resistências dos políticos profissionais, que prefere manter o povo dependente de representantes.
Cabe aduzir que, no Brasil, além da forte barreira dos políticos em implementar a democracia direta, há o problema da educação, já que nem todos os cidadãos possuem acesso a uma instrução adequada à efetiva participação política.
No que tange à democracia semi-direta na Suíça, hodienarmente, ela se exerce no âmbito federal, cantonal ou comunal.  A competência legislativa pertence ao Parlamento, mas o povo pode intervir no processo legislativo, dado que dispõe de dois instrumentos: a iniciativa popular e o referendo. Eles estão dispostos nos artigos 138 a 142 da Constituição Federal.
O direito de iniciativa foi introduzido, na Suíça, em 1891. “Por iniciativa popular, entende-se o direito ou atribuição concedida à parcela do corpo eleitoral de irromper o processo legislativo, estabelecendo ou revogando normas jurídicas.”[42]
No âmbito federal, há a previsão da iniciativa popular tão somente para a adição ou a revogação de normas constitucionais. Não existe iniciativa popular para as leis federais, tal como já ocorria na Constituição de 1848.
Por meio da iniciativa popular, 100.000 (cem mil) cidadãos podem requerer a revisão total ou parcial da Constituição. A norma constitucional não esclarece o que seja revisão total e parcial. Desse modo, deve-se verificar tais definições na doutrina.
Manuel García-Pelayo[43] ensina:
Revisión total no significa necesariamente La transformación de todos los artículos de La constitución, sino simplemente que ésta, em su totalidad, es sometida a discusión, y que cabe, por tanto, La reforma de cada artículo. La revisión es parcial cuando se refiere a determinados artículos o a partes de La constitución que presenten cierta unidad. Ambas revisiones tienen algunos elementos comunes em cuanto  AL procedimiento, ante todo La intervención popular, pero difieren em otros.
Uma vez apresentada a iniciativa para a revisão total da Constituição, ela comporta consulta popular. Vale destacar que a iniciativa constitucional é submetida à dupla maioria, ou seja, a do povo e a dos cantões. Aprovada a proposta, a Assembleia Federal (os Conselhos) será dissolvida, procedendo-se a uma nova eleição de seus membros. Eles terão a incumbência de reformar a Constituição segundo as linhas traçadas no projeto popular, consoante se depreende do art. 193 do diploma constitucional.
Da mesma forma, a iniciativa de reforma parcial da Constituição será submetida à aprovação dos eleitores e dos Cantões. Mas, diferentemente do caso da revisão total, na revisão parcial, a Assembleia poderá recomendar a iniciativa ou desaconselhá-la ao povo.  A Assembleia Federal também poderá apresentar um contra-projeto para submeter à aprovação do povo e dos cantões.[44]
Cumpre anotar que, de 1891 a 2007, quinze iniciativas populares foram aprovadas em votação na Suíça.[45]
Pode parecer, a princípio, poucas aprovações, mas é um engano assim pensar, uma vez que se trata de modificações da própria Constituição Federal.
O segundo instrumento da democracia suíça é o referendo, que foi introduzido em 1874, com a revisão da Constituição Federal de 1848. Ele pode ser facultativo ou obrigatório.
O referendo obrigatório impõe uma consulta popular nos casos previstos pelo art. 140 da Constituição Federal, por exemplo, nos casos de modificação da Constituição Federal.  A maioria dupla do povo e dos cantões também é imposta.
Pelo referendo facultativo, em esfera federal, 50.000 (cinqüenta mil) cidadãos ou 8(oito) cantões  podem requerer a votação sobre uma lei federal adotada pelo Parlamento, as leis federais declaradas urgentes cuja vigência exceder um ano, as decisões federais, quando a Constituição ou a lei assim o estabelecer e alguns acordos de Direito Internacional. O referendo faz com que seja suspensa a vigência da lei federal atacada.
Importa informar que, pelo menos, quatro vezes por ano, os cidadãos suíços recebem envelope com documentação fornecida pela Confederação, pelo Cantão ou pela Comuna, em que se lhes solicita opinião sobre um ou mais assuntos. A grande maioria das votações realiza-se, secretamente, nas urnas ou pelo correio, salvo os casos em que ainda persiste o sistema da “Landsgemeinde”, conforme já tratado no presente trabalho.
Diferentemente, no Brasil, a Constituição Federal, no art. 14, I, II e III, trata de três instituições da democracia participativa, a saber: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.
A regulamentação de tais dispositivos da Lei Maior brasileira coube à Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998. Vale notar que referida lei limita-se a repetir o que a Constituição já havia estabelecido, “apenas clarificando procedimentos pertinentes ao processo legislativo ordinário para a eventual prática dos instrumentos de participação.”[46]
No Brasil, não é tão simples a participação do povo no âmbito do Poder Legislativo.  Para a iniciativa popular, por exemplo, exige-se a “apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.”[47]
Diante do exposto, verifica-se que deve haver uma simplificação da participação popular no Brasil, a fim de não se retirar do povo a prerrogativa cidadã de decidir os rumos de sua vida na “polis”, tornando-se imprescindível a disponibilidade de instrumentos de efetiva participação política e de controle do Poder Legislativo.
Na Suíça, a iniciativa popular e o referendo são instrumentos de educação democrática popular, que proporciona ao povo o sentimento de que a Constituição é sua, já que pode modificá-la ou conservá-la conforme bem entender.
8. A nação suíça
A sociedade suíça é bastante complexa, tendo em vista que possui muitos avanços em certas áreas e posições retrógradas em outras, a exemplo do voto feminino que só foi introduzido, na legislação federal, em 1971. Além disso, deve-se sempre ter em mente que se trata de uma sociedade fragmentada, dividida entre diversas culturas, línguas, costumes, tradições religiosas, morais, etc.
No que concerne à convivência numa sociedade multicultural, Darcy Ribeiro, na obra “Suiza vista desde fuera”, compara o convívio dos suíços com o dos índios nas selvas do Rio Xingu. Nessa região, há diversos povos indígenas que falam línguas de raízes diferentes, guardam sua própria identidade tribal, orgulhosos dela e, ao mesmo tempo, convivem em paz uns com os outros. Cuida-se, nos dois casos, de um modo de viver, um em nível tribal, outro em nível avançadíssimo.
Darcy Ribeiro[48], ademais, preceitua:
Estos polémicos conglomerados representan um afilado contraste com la vida pacífica de los índios xiguanos o La convivência armoniosa de los pueblos de La Confederación Helvética. Hay que destacar especialmente que esas situaciones conflictivas constituyen El caso habitual, mientras que Suiza há representado hasta ahora La gran excepción.
Ante as particularidades da Suíça, indaga-se: por que ela é uma nação?
Não existe uma resposta taxativa, já que nunca houve uma fórmula simples e clara da cultura deste país. Não há, na Suíça, caracteres simples e indiscutíveis de uma comunidade humana, tais como a uniformidade de língua, a religião ou a origem.
A existência do Estado Federal suíço é fruto de sua própria história. Como já mencionado, em 1215, três Cantões suíços assinaram a Carta de Aliança, da qual nasceu a Confederação suíça, com o intuito de garantirem a própria liberdade e independência contra o ataque de outros povos.
Destarte, os cantões defenderam um Estado Federal não porque se apresentava como algo natural, mas sim para garantirem a própria existência e liberdade. Juntos, eles são mais fortes. A liberdade consiste, portanto, em um fator para a justificação da nação suíça.
Conclusões
1-      A Suíça é um país marcado por inúmeras peculiaridades, a exemplo de suas diferenças de povos, línguas e costumes, mas, ao mesmo tempo, possui  estabilidades econômica, política e social invejáveis.
2-      Na Suíça, havia Estados soberanos que se uniram para formar a Federação. Cuida-se do federalismo por agregação. Ao revés, no Brasil, primeiro houve a criação do Estado central e, depois, ocorreu a concepção das Unidades Federativas. Trata-se do federalismo por segregação.
3-      A organização político-administrativa da Confederação helvética compreende três níveis estatais: a Confederação, os Cantões e as Comunas. Todos eles são competentes para legislar, executar e julgar. Segundo a Constituição Federal, os cantões são independentes e soberanos. Mas há quem conteste a soberania dos cantões suíços.
4-      O Poder Executivo Federal da Suíça é do tipo colegiado,  devido à aversão de seu povo à força da individualidade.A organização judiciária na Suíça também é bastante marcada pelo federalismo. Os vinte e seis cantões são competentes para organizar seus próprios tribunais e regular o direito processual.
5-      A questão do sufrágio feminino demonstra como o federalismo suíço garante a todos os cantões o poder de tomar parte em todas as decisões em esfera federal e, ao mesmo tempo, sua independência em nível cantonal.O sistema educativo suíço é outro exemplo de independência dos cantões, dado que ele é caracterizado por uma estrutura altamente descentralizada.
6-      A democracia na Suíça constitui tema de estudo de Direito Constitucional Comparado, ao mesmo tempo instigante e inspirador, por ser o único país, na atualidade, em que se exterioriza, embora em pequenos cantões, Glaurus e Appenzell Rhodes-Interiores, a democracia na sua forma direta.
7-      Embora tais exceções nestes Cantões, na Suíça há a democracia semi-direta. Há dois instrumentos de participação popular: a iniciativa popular e o referendo. Por meio da iniciativa popular, o povo suíço pode alterar a  sua própria Constituição. Diferentemente, no Brasil, há a previsão constitucional de três instrumentos de democracia participativa, a saber: plebiscito, referendo e iniciativa popular.
8-      A participação do povo, no Brasil, é bem mais complexa e difícil do que na Suíça. Diante disso, pugna-se por uma simplificação da democracia participativa brasileira.
9-      A justificativa para a existência da nação suíça é a da constante busca da liberdade de seu povo.

REFERÊNCIAS
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Sites oficiais da Confederação Helvética:
Notas:
[1] LIPSON, Leslie. A Civilização Democrática, trad. Álvaro Cabral, Rio de Janeiro: Zanar Editores, 1966, v. II, p.607.
[2] Atualmente, as suíças possuem capacidade eleitoral. O livro de Lipson foi publicado em 1966 e o direito ao voto das mulheres apenas foi implementado, no âmbito federal, em 1971.
[3] LIPSON, Leslie. A Civilização Democrática, trad. Álvaro Cabral, Rio de Janeiro: Zanar Editores, 1966, v. II, p.607.
[4] Impende informar que 8.9% da população proferem outras línguas. Fonte: Divisão Federal de Estatística. Disponível em: http://www.swissinfo.ch/por/sobre_a_suica/perfil_da_Suica/index.html, em 24/11/2010.
[5] Observe-se que, em português, a obra denomina-se “A Lenda dos Séculos”.
[6] Vale transcrever alguns versos do poema:
“(…)La Suisse trait sa vache et vit paisiblement.
Sa blanche liberté s'adosse au firmament.
Le soleil, quand il vient dorer une chaumière,
Fait que le toit de paille est un toit de lumière ;
Telle est la Suisse, ayant l'honneur dans ses prés verts,
Et de son indigence éclairant l'univers.
Tant que les nations garderont leurs frontiers(…)”
[7] La Confédération Helvétique. Monaco: Éditions du Rocher, 1953, p. 21: “Les manuels scolaires donnent pour date de naissance à La Confédération helvétique Le 1er août 1291. Ce jour-là fut signé Le Pacte qui liait << à perpétuité>> lês trois petits peuples ou <<communes>> forestières, d’Uri, de Schwyz et d’Unterwald.”
[8] Comisión de coordinación para la presencia de Suiza en el extranjero. Suiza Vista por si misma: política, economía, cultura, sociedad, naturaleza, 1992, p. 68.
[9] Idem, p. 231.
[10] GARCIA, Maria. AMORIM, José Roberto Neves. Estudos de Direito Constitucional Comparado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 108.
[11] PICAVET, Camille Georges. Une Démocratie Historique. La Suisse. Paris: Ernest Flammarion, 1920, p.141-142.
[12] Constituição da Confederação Helvética de 1999, disponível em: http://www.admin.ch/org
[13] idem
[14] ibidem
[15] Constituição da Confederação Helvética de 1999, disponível em: http://www.admin.ch/org
[16] idem
[17] MELLO, José Luiz de Anhaia. O Estado Federal e as suas Novas Perspectivas. São Paulo: Max Limonad, 1960, p.31.
[18] ARAUJO, Luiz Alberto David. Por uma Nova Federação. Coord. Celso Bastos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 50.
[19] DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática S.A., 1986, p.07.
[20] Disponível em: www.stf.jus.br/arquivo/cms/bicentenarioPalestra/anexo/suicaPortugues.pdf
[21] Disponível em: http://www.swissinfo.ch/por/politica_suica/O_federalismo_e_um_sistema_intocavel.html?cid=844056
[22] MELLO, José Luiz de Anhaia. O Estado Federal e as suas Novas Perspectivas. São Paulo: Max Limonad, 1960, p. 106.
[23] Idem.
[24] LIPSON, Leslie. A Civilização Democrática, trad. Álvaro Cabral, Rio de Janeiro: Zanar Editores, 1966, v. II, p. 608.
[25] Neuchatel: Ides et Calendes, 1967, p. 406-407.
[26] Comisión de coordinación para la presencia de Suiza en el extranjero. Suiza Vista desde fuera, 1992, p.48.
[27]http://www.swissinfo.ch/por/politica_suica/Governo_suico_tera_maioria_de_mulheres.html?cid=28383802
[28]Disponível em: http://www.bfs.admin.ch/bfs/portal/fr/index/themen/17/02/blank/key/frauen_und_politik/bund.html
[29] LE ROY, Yves;SCHOENENBERGER, Marie-Bernadette. Introduction générale au droit Suisse. Zurich / Paris / Bruxelles, Schulthess, LGDJ, Bruylant, 2002, p. 44.
[30] DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.23-24.
[31] SALES, Dimitri Nascimento. Avançar no Estado Democrático de Direito: a participação política na democracia brasileira. Dissertação de mestrado, sob orientação da Profa. Dra. Flávia Piovesan. PUC/SP, 2007, p. 80.
[32] BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania Activa – Referendo, Plebiscito e iniciativa popular.  São Paulo. Ed. Ática, 1991, p.129.
[33] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.146
[34] idem
[35] BATELLI, Maurice. Les Institutions de Démocratie Directe em Droit Suisse et Comparé Moderne. Paris: Recueil Sirey, 1932, p.16.
[37] Idem.
[38] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.152.
[39] Idem, p. 153.
[40] ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. 3ª ed. Coimbra: Europa-América, 1991, p.71.
[41] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.153.
[42] NETO, José Duarte. A Iniciativa Popular na Constituição Federal de 1988. Dissertação de mestrado, sob a orientação da Profa. Doutora Lúcia Valle Figueiredo.
[43] GARCÍA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado, Madrid: Alianza Editorial, 2000,p.568.
[44] NETO, José Duarte. A Iniciativa Popular na Constituição Federal de 1988. Dissertação de mestrado, sob a orientação da Profa. Doutora Lúcia Valle Figueiredo. PUC/SP:2001.
[46] SALES, Dimitri Nascimento. Avançar no Estado Democrático de Direito: a participação política na democracia brasileira. Dissertação de mestrado, sob orientação da Profa. Dra. Flávia Piovesan. PUC/SP, 2007, p.152.
[47] Lei 9709/1998.
[48] Comisión de coordinación para la presencia de Suiza en el extranjero. Suiza Vista desde fuera, 1992, p.