sexta-feira, 5 de setembro de 2025

PROPRIEDADE PRIVADA DA TERRA - CRÍTICA GEOLIBERTÁRIA À VISÃO ANARCOCAPITALISTA e DEFESA DO MODELO SUIÇO

parte 1 

A principal crítica libertária — especialmente no contexto de geolibertarianos (libertários que valorizam o Land Value Tax, LVT) — à visão anarco-capitalista da propriedade privada da terra é que ela não reconhece uma distinção essencial entre a terra e outros bens produzidos pelo trabalho humano. Essa diferença parece pequena, mas tem implicações profundas sobre justiça, liberdade de acesso e eficiência econômica.


O ponto central: Terra ≠ Propriedade comum?

  • Anarcocapitalistas clássicos, como Murray Rothbard e Hans-Hermann Hoppe, defendem que qualquer indivíduo que misture seu trabalho com um recurso natural (como terra) adquire, legitimamente, sua propriedade permanente — sem distinção em relação a um objeto fabricado pela própria pessoa. Esse princípio é conhecido como homesteading, baseado na autopropriedade e exclusão absoluta (Wikipedia).

  • Geolibertários, por outro lado, argumentam que a terra possui características únicas:

    • Não é fruto do trabalho humano — é um recurso comum e finito.

    • Seu valor (a renda fundiária ou “valor social”) é gerado sobretudo pela presença e desenvolvimento da comunidade ao seu redor.

    • Logo, esse valor extra não pertenceria ao proprietário individual, mas à comunidade, e poderia ser justificado cobrar um imposto como o LVT ou dividir o benefício da renda via dividendos cidadãos (Wikipedia).


Crítica Geolibertária à Visão Anarcocapitalista

  1. Ausência de distinção moral:

    • Ao tratar a terra da mesma forma que bens produzidos, os anarcocapitalistas ignoram que a comunidade gera valor que não advém do indivíduo que a apropria.

  2. Falta de justiça social e acesso igualitário:

    • Se alguém possui terras valorizadas pela comunidade, mas não contribuiu para isso, capta um ganho não merecido, reduzindo a liberdade ou acesso de outros ao mesmo recurso.

  3. Eficiência e ausência de impostos distorcivos:

    • O LVT, além de ser eticamente justificável nesse contexto, é eficiente, pois não desestimula produção, ao contrário de impostos sobre melhorias ou renda. Assim, unir justiça e eficiência é possível — e anarcocapitalistas rejeitam isso como “tributação injustificada” (Wikipedia).

  4. Acesso restrito a bens comuns:

    • Geolibertários acreditam que privar recursos naturais de serem acessíveis sem compensação reduz a liberdade e vai contra a lógica do “Lockean proviso” (que a terra seja apropriada somente se sobra suficiente para os outros) (Wikipedia).


Tabela Comparativa

Visão Terra vs. Outros Bens Critério de Propriedade Justiça Coletiva
Anarcocapitalismo (Rothbard, Hoppe) Não há distinção Homesteading (trabalho) Não considera valor social
Geolibertarianismo Valor social é distinto Terra + LVT = compensação Sim, via tributação do valor social

Em resumo

A crítica libertária mais forte à visão anarco-capitalista da terra é que ela desconsidera o caráter público e social da renda fundiária. Desse modo, legitima aquisições de ganhos não provenientes do trabalho individual, ferindo princípios de justiça e liberdade. Já os geolibertários afirmam que isso pode ser corrigido sem recorrer ao Estado em excesso, mas sim recolhendo o valor que a comunidade criou, usando-o para promover igualdade e manter incentivos corretos.



Parte 2


Crítica Geolibertária à Apropriação Anarco-Capitalista da Terra

  1. Ignorar os direitos da comunidade local como proprietária moral do “valor social” da terra
    Os geolibertários afirmam que a terra não é produto do esforço humano e que o valor que ela adquire — especialmente em contextos comunitários — pertence à coletividade. Eles defendem que o proprietário deve compensar a comunidade, já que a terra valorizada deve esse acréscimo à ação social e institucional Wikipedia.

  2. Alodialismo absoluto vs. propriedade compartilhada do valor
    Anarcocapitalistas como Rothbard e Hoppe defendem que, uma vez apropriada via homesteading, a terra pode ser tratada exatamente como um bem manufaturado, sem distinção ética ou tributária. Isso lhes dá direito irrestrito sobre o valor da terra, sem compensar quem contribuiu para seu valor social Wikipedia+1.

  3. Subestimar as decisões comunitárias seculares sobre a terra
    Elinor Ostrom mostrou empiricamente que comunidades tradicionais (como as suíças) administram terras e recursos comuns de forma eficiente e justa, definindo regras sobre o que jamais deve ser privatizado. Geolibertários incorporariam esse modelo como legitimador das decisões comunitárias sobre o valor da terra — algo incompreendido ou ignorado pelos ancaps, que preferem o mercado individual sobre arranjos comunitários.

  4. Problemas práticos da ausência de distinção
    No Reddit, críticos apontam que Rothbard argumenta que sem mercado e sem valor justo, a terra perderia valor — mas isso ignora que os arranjos comunitários podem regular seu uso sem mercados formais, e que a ausência de tributação sobre esse valor social mantém privilégios imerecidos Reddit.


Síntese Comparativa

Crítica GeolibertáriaVisão Anarcocapitalista (Ancaps)
Valor da terra pertence à comunidade que o valorizaTerra = produto humano, sem valor social próprio
Defende compensação via LVTRejeição de tributação obrigatória e tratamento igualitário
Apoia gestão comunitária segundo arranjo local (Ostrom)Valor definido pelo mercado e pela apropriação individual
Justiça: terra valorizada socialmente deve retornar à sociedadePrincípio de propriedade absoluta e individual

Conclusão

A crítica libertária mais contundente à visão ancap da propriedade da terra é que ela nega o papel fundamental da comunidade local na criação do valor da terra, posicionando-se contra tradições como as evidenciadas por Ostrom. Para geolibertários e defensores de LVT, uma terra valorizada pela infraestrutura ou coesão social só mantém justiça se parte desse valor retorna à coletividade—algo completamente ausente da lógica anarco-capitalista.



Parte 3

Análise da Ação de Espertino (Desvio ou Consumo de Água) em Relação aos Direitos de AncapinoA questão apresentada envolve Espertino, que adquiriu todas as terras ao redor da propriedade de Ancapino e decidiu plantar, consumindo toda a água de um rio que antes passava pela terra de Ancapino, ou desviá-lo para contorná-la. A análise determina se essa ação constitui uma agressão contra Ancapino ou um direito legítimo de Espertino, considerando o Princípio de Não-Agressão (NAP) do anarcocapitalismo, as perspectivas georgista, distributivista e geolibertariana, e o contexto suíço, com base nas discussões anteriores sobre propriedade privada da terra e a crítica ao NAP.1. Perspectiva do Princípio de Não-Agressão (NAP)No anarcocapitalismo, o NAP proíbe a iniciação de força física ou coerção contra a pessoa ou propriedade legitimamente adquirida de outro. Agressão é definida como uma violação direta desses direitos, como roubo, violência ou fraude. A natureza da ação de Espertino depende dos direitos sobre a água:
  • Direitos preexistentes de Ancapino: Se Ancapino utiliza a água do rio (para irrigação, consumo ou outro fim), ele possui direitos adquiridos por homesteading (apropriação original), conforme defendido por Murray Rothbard em For a New Liberty (1973). Nesse caso, o desvio ou consumo total da água por Espertino viola os direitos de propriedade de Ancapino, configurando uma agressão, pois interfere no fluxo natural que Ancapino já utilizava.
  • Ausência de direitos de Ancapino: Se Ancapino não tem direitos estabelecidos sobre a água (por não a utilizar ou não ter apropriado formalmente), e Espertino adquiriu as terras upstream legitimamente (por compra ou homesteading), o desvio ou consumo da água é um direito de Espertino. O NAP não considera agressão o uso legítimo de propriedade, mesmo que cause impactos indiretos, como a privação de água para Ancapino.
  • Limitação do NAP: A crítica anterior ao NAP é relevante aqui. A ação de Espertino, embora tecnicamente legítima se não violar direitos preexistentes, pode privar Ancapino de um recurso essencial, criando uma externalidade indireta que o NAP não regula adequadamente. Sem um Estado ou acordos prévios, a resolução dependeria de agências privadas de arbitragem, o que pode ser impraticável.
2. Perspectiva GeorgistaO georgismo, baseado nas ideias de Henry George (Progress and Poverty, 1879), considera recursos naturais como a água bens comuns, cuja renda (valor econômico gerado pela sociedade) deve ser tributada via Imposto sobre o Valor da Terra (LVT) e redistribuída. A ação de Espertino é analisada da seguinte forma:
  • Monopólio de recurso comum: O desvio ou consumo total da água por Espertino constitui um monopólio sobre um recurso natural, gerando uma "renda não ganha" (unearned income). O georgismo exigiria que Espertino pagasse um LVT para compensar a sociedade, incluindo Ancapino, pelo impacto da exclusão do acesso à água.
  • Contexto suíço: Na Suíça, impostos cantonais sobre terras (Grundsteuer) refletem influências georgistas, especialmente em cantões como Valais, onde a água é crítica para a agricultura. O desvio do rio por Espertino seria regulado por leis ou referendos locais, exigindo compensação ou restauração do fluxo para Ancapino, a fim de evitar a apropriação injusta de um recurso comum.
3. Perspectiva DistributivistaO distributismo, inspirado por G.K. Chesterton e Hilaire Belloc, promove a ampla distribuição de propriedades produtivas e a função social dos recursos. A ação de Espertino seria avaliada assim:
  • Violação da função social: O desvio ou consumo da água priva a terra de Ancapino de um recurso vital, comprometendo sua produtividade e violando o princípio distributivista de que a propriedade deve servir ao bem comum. A exclusão de Ancapino do acesso à água seria considerada uma agressão indireta, contrária à justiça distributiva.
  • Contexto suíço: O federalismo suíço e as práticas comunitárias, como os bisses (canais de irrigação em Valais), refletem o distributismo. Essas estruturas garantem o acesso equitativo à água, e a ação de Espertino seria limitada por acordos locais, exigindo que ele negociasse com Ancapino para manter o fluxo ou compensar o prejuízo.
4. Perspectiva GeolibertarianaGeolibertários, como Fred Foldvary, combinam o NAP com o georgismo, permitindo a propriedade privada de recursos naturais, mas exigindo compensação (LVT) pelo monopólio desses recursos. A análise da ação de Espertino é:
  • Direito condicionado: Se Espertino adquiriu as terras legitimamente, ele pode desviar ou consumir a água, mas deve pagar uma compensação à sociedade ou a Ancapino pelo impacto, conforme o proviso lockeano (deixar "suficiente e tão bom" para outros). A privação de água para Ancapino exigiria uma indenização, caso contrário, seria uma agressão indireta.
  • Crítica ao NAP puro: A crítica anterior ao NAP destaca que ele não regula externalidades como o desvio de um rio, que não é "força física" direta, mas causa danos significativos. O geolibertarianismo corrige isso ao exigir compensação, tornando a ação de Espertino legítima apenas com pagamento pelo impacto.
5. Contexto SuíçoNa Suíça, a gestão de recursos hídricos é regulada por leis cantonais e federais, com influências georgistas e distributivistas:
  • Legislação: A Lei Federal sobre a Proteção de Águas (1991) protege o acesso equitativo aos rios. A ação de Espertino seria considerada uma violação se prejudicasse Ancapino, que poderia recorrer a tribunais cantonais para exigir compensação ou restauração do fluxo.
  • Práticas comunitárias: Em cantões como Valais, sistemas de irrigação comunitários (bisses) garantem a distribuição equitativa da água. Espertino seria obrigado a negociar com a comunidade ou com Ancapino para evitar monopólios hídricos.
  • Democracia direta: Ancapino poderia propor um referendo local para limitar a ação de Espertino, reforçando o controle comunitário sobre recursos naturais.
6. Relação com a Crítica ao NAPA crítica anterior argumentou que o NAP é impraticável porque toda ação (como consumir recursos) exclui outros, sendo uma forma de agressão indireta. No caso presente:
  • Relevância da crítica: O desvio ou consumo da água por Espertino priva Ancapino de um recurso vital, ilustrando a ideia de que "viver é apropriar-se de energia, espaço e recursos que poderiam sustentar outros". Isso expõe a limitação do NAP em lidar com externalidades indiretas, pois, mesmo que a ação de Espertino seja "legítima" (sem violar direitos explícitos), ela prejudica Ancapino de forma significativa.
  • Fragilidade do NAP: A ausência de mecanismos institucionais no anarcocapitalismo para resolver disputas por recursos compartilhados, como rios, reforça a crítica de que o NAP ignora impactos inevitáveis da competição por recursos.
7. Conclusão: Agressão ou Direito?
  • Sob o NAP puro: A ação de Espertino é um direito se ele adquiriu as terras e o rio legitimamente e Ancapino não tem direitos preexistentes sobre a água. Se Ancapino possui direitos (por uso histórico), o desvio ou consumo é uma agressão, pois viola sua propriedade. O NAP, porém, não regula externalidades indiretas, deixando Ancapino vulnerável sem acordos prévios.
  • Sob o georgismo: O desvio ou consumo da água é problemático, pois monopoliza um recurso comum. Espertino deveria pagar um LVT para compensar Ancapino e a sociedade pelo impacto.
  • Sob o distributismo: A ação é uma agressão indireta, pois compromete a função social da propriedade de Ancapino. A comunidade exigiria que Espertino garantisse o acesso à água.
  • Sob o geolibertarianismo: Espertino pode desviar a água, mas deve indenizar Ancapino pelo prejuízo, respeitando o proviso lockeano.
  • No contexto suíço: Leis cantonais e práticas comunitárias limitariam a ação de Espertino, exigindo compensação ou restauração do fluxo, alinhando-se a princípios georgistas e distributivistas.
Portanto, a ação de Espertino é um direito sob o NAP puro se não violar direitos preexistentes de Ancapino, mas é uma agressão sob perspectivas georgistas, distributivistas e geolibertarianas, que exigem compensação pelo impacto. No contexto suíço, leis e costumes comunitários protegeriam Ancapino, obrigando Espertino a negociar ou indenizar. A crítica ao NAP destaca sua incapacidade de lidar com externalidades como essa, reforçando a necessidade de mecanismos adicionais para gerir recursos compartilhados.

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