parte 1
A principal crítica libertária — especialmente no contexto de geolibertarianos (libertários que valorizam o Land Value Tax, LVT) — à visão anarco-capitalista da propriedade privada da terra é que ela não reconhece uma distinção essencial entre a terra e outros bens produzidos pelo trabalho humano. Essa diferença parece pequena, mas tem implicações profundas sobre justiça, liberdade de acesso e eficiência econômica.
O ponto central: Terra ≠ Propriedade comum?
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Anarcocapitalistas clássicos, como Murray Rothbard e Hans-Hermann Hoppe, defendem que qualquer indivíduo que misture seu trabalho com um recurso natural (como terra) adquire, legitimamente, sua propriedade permanente — sem distinção em relação a um objeto fabricado pela própria pessoa. Esse princípio é conhecido como homesteading, baseado na autopropriedade e exclusão absoluta (Wikipedia).
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Geolibertários, por outro lado, argumentam que a terra possui características únicas:
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Não é fruto do trabalho humano — é um recurso comum e finito.
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Seu valor (a renda fundiária ou “valor social”) é gerado sobretudo pela presença e desenvolvimento da comunidade ao seu redor.
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Logo, esse valor extra não pertenceria ao proprietário individual, mas à comunidade, e poderia ser justificado cobrar um imposto como o LVT ou dividir o benefício da renda via dividendos cidadãos (Wikipedia).
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Crítica Geolibertária à Visão Anarcocapitalista
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Ausência de distinção moral:
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Ao tratar a terra da mesma forma que bens produzidos, os anarcocapitalistas ignoram que a comunidade gera valor que não advém do indivíduo que a apropria.
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Falta de justiça social e acesso igualitário:
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Se alguém possui terras valorizadas pela comunidade, mas não contribuiu para isso, capta um ganho não merecido, reduzindo a liberdade ou acesso de outros ao mesmo recurso.
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Eficiência e ausência de impostos distorcivos:
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O LVT, além de ser eticamente justificável nesse contexto, é eficiente, pois não desestimula produção, ao contrário de impostos sobre melhorias ou renda. Assim, unir justiça e eficiência é possível — e anarcocapitalistas rejeitam isso como “tributação injustificada” (Wikipedia).
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Acesso restrito a bens comuns:
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Geolibertários acreditam que privar recursos naturais de serem acessíveis sem compensação reduz a liberdade e vai contra a lógica do “Lockean proviso” (que a terra seja apropriada somente se sobra suficiente para os outros) (Wikipedia).
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Tabela Comparativa
Visão | Terra vs. Outros Bens | Critério de Propriedade | Justiça Coletiva |
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Anarcocapitalismo (Rothbard, Hoppe) | Não há distinção | Homesteading (trabalho) | Não considera valor social |
Geolibertarianismo | Valor social é distinto | Terra + LVT = compensação | Sim, via tributação do valor social |
Em resumo
A crítica libertária mais forte à visão anarco-capitalista da terra é que ela desconsidera o caráter público e social da renda fundiária. Desse modo, legitima aquisições de ganhos não provenientes do trabalho individual, ferindo princípios de justiça e liberdade. Já os geolibertários afirmam que isso pode ser corrigido sem recorrer ao Estado em excesso, mas sim recolhendo o valor que a comunidade criou, usando-o para promover igualdade e manter incentivos corretos.
Parte 2
Crítica Geolibertária à Apropriação Anarco-Capitalista da Terra
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Ignorar os direitos da comunidade local como proprietária moral do “valor social” da terra
Os geolibertários afirmam que a terra não é produto do esforço humano e que o valor que ela adquire — especialmente em contextos comunitários — pertence à coletividade. Eles defendem que o proprietário deve compensar a comunidade, já que a terra valorizada deve esse acréscimo à ação social e institucional Wikipedia. -
Alodialismo absoluto vs. propriedade compartilhada do valor
Anarcocapitalistas como Rothbard e Hoppe defendem que, uma vez apropriada via homesteading, a terra pode ser tratada exatamente como um bem manufaturado, sem distinção ética ou tributária. Isso lhes dá direito irrestrito sobre o valor da terra, sem compensar quem contribuiu para seu valor social Wikipedia+1. -
Subestimar as decisões comunitárias seculares sobre a terra
Elinor Ostrom mostrou empiricamente que comunidades tradicionais (como as suíças) administram terras e recursos comuns de forma eficiente e justa, definindo regras sobre o que jamais deve ser privatizado. Geolibertários incorporariam esse modelo como legitimador das decisões comunitárias sobre o valor da terra — algo incompreendido ou ignorado pelos ancaps, que preferem o mercado individual sobre arranjos comunitários. -
Problemas práticos da ausência de distinção
No Reddit, críticos apontam que Rothbard argumenta que sem mercado e sem valor justo, a terra perderia valor — mas isso ignora que os arranjos comunitários podem regular seu uso sem mercados formais, e que a ausência de tributação sobre esse valor social mantém privilégios imerecidos Reddit.
Síntese Comparativa
Crítica Geolibertária | Visão Anarcocapitalista (Ancaps) |
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Valor da terra pertence à comunidade que o valoriza | Terra = produto humano, sem valor social próprio |
Defende compensação via LVT | Rejeição de tributação obrigatória e tratamento igualitário |
Apoia gestão comunitária segundo arranjo local (Ostrom) | Valor definido pelo mercado e pela apropriação individual |
Justiça: terra valorizada socialmente deve retornar à sociedade | Princípio de propriedade absoluta e individual |
Conclusão
A crítica libertária mais contundente à visão ancap da propriedade da terra é que ela nega o papel fundamental da comunidade local na criação do valor da terra, posicionando-se contra tradições como as evidenciadas por Ostrom. Para geolibertários e defensores de LVT, uma terra valorizada pela infraestrutura ou coesão social só mantém justiça se parte desse valor retorna à coletividade—algo completamente ausente da lógica anarco-capitalista.
Parte 3
- Direitos preexistentes de Ancapino: Se Ancapino utiliza a água do rio (para irrigação, consumo ou outro fim), ele possui direitos adquiridos por homesteading (apropriação original), conforme defendido por Murray Rothbard em For a New Liberty (1973). Nesse caso, o desvio ou consumo total da água por Espertino viola os direitos de propriedade de Ancapino, configurando uma agressão, pois interfere no fluxo natural que Ancapino já utilizava.
- Ausência de direitos de Ancapino: Se Ancapino não tem direitos estabelecidos sobre a água (por não a utilizar ou não ter apropriado formalmente), e Espertino adquiriu as terras upstream legitimamente (por compra ou homesteading), o desvio ou consumo da água é um direito de Espertino. O NAP não considera agressão o uso legítimo de propriedade, mesmo que cause impactos indiretos, como a privação de água para Ancapino.
- Limitação do NAP: A crítica anterior ao NAP é relevante aqui. A ação de Espertino, embora tecnicamente legítima se não violar direitos preexistentes, pode privar Ancapino de um recurso essencial, criando uma externalidade indireta que o NAP não regula adequadamente. Sem um Estado ou acordos prévios, a resolução dependeria de agências privadas de arbitragem, o que pode ser impraticável.
- Monopólio de recurso comum: O desvio ou consumo total da água por Espertino constitui um monopólio sobre um recurso natural, gerando uma "renda não ganha" (unearned income). O georgismo exigiria que Espertino pagasse um LVT para compensar a sociedade, incluindo Ancapino, pelo impacto da exclusão do acesso à água.
- Contexto suíço: Na Suíça, impostos cantonais sobre terras (Grundsteuer) refletem influências georgistas, especialmente em cantões como Valais, onde a água é crítica para a agricultura. O desvio do rio por Espertino seria regulado por leis ou referendos locais, exigindo compensação ou restauração do fluxo para Ancapino, a fim de evitar a apropriação injusta de um recurso comum.
- Violação da função social: O desvio ou consumo da água priva a terra de Ancapino de um recurso vital, comprometendo sua produtividade e violando o princípio distributivista de que a propriedade deve servir ao bem comum. A exclusão de Ancapino do acesso à água seria considerada uma agressão indireta, contrária à justiça distributiva.
- Contexto suíço: O federalismo suíço e as práticas comunitárias, como os bisses (canais de irrigação em Valais), refletem o distributismo. Essas estruturas garantem o acesso equitativo à água, e a ação de Espertino seria limitada por acordos locais, exigindo que ele negociasse com Ancapino para manter o fluxo ou compensar o prejuízo.
- Direito condicionado: Se Espertino adquiriu as terras legitimamente, ele pode desviar ou consumir a água, mas deve pagar uma compensação à sociedade ou a Ancapino pelo impacto, conforme o proviso lockeano (deixar "suficiente e tão bom" para outros). A privação de água para Ancapino exigiria uma indenização, caso contrário, seria uma agressão indireta.
- Crítica ao NAP puro: A crítica anterior ao NAP destaca que ele não regula externalidades como o desvio de um rio, que não é "força física" direta, mas causa danos significativos. O geolibertarianismo corrige isso ao exigir compensação, tornando a ação de Espertino legítima apenas com pagamento pelo impacto.
- Legislação: A Lei Federal sobre a Proteção de Águas (1991) protege o acesso equitativo aos rios. A ação de Espertino seria considerada uma violação se prejudicasse Ancapino, que poderia recorrer a tribunais cantonais para exigir compensação ou restauração do fluxo.
- Práticas comunitárias: Em cantões como Valais, sistemas de irrigação comunitários (bisses) garantem a distribuição equitativa da água. Espertino seria obrigado a negociar com a comunidade ou com Ancapino para evitar monopólios hídricos.
- Democracia direta: Ancapino poderia propor um referendo local para limitar a ação de Espertino, reforçando o controle comunitário sobre recursos naturais.
- Relevância da crítica: O desvio ou consumo da água por Espertino priva Ancapino de um recurso vital, ilustrando a ideia de que "viver é apropriar-se de energia, espaço e recursos que poderiam sustentar outros". Isso expõe a limitação do NAP em lidar com externalidades indiretas, pois, mesmo que a ação de Espertino seja "legítima" (sem violar direitos explícitos), ela prejudica Ancapino de forma significativa.
- Fragilidade do NAP: A ausência de mecanismos institucionais no anarcocapitalismo para resolver disputas por recursos compartilhados, como rios, reforça a crítica de que o NAP ignora impactos inevitáveis da competição por recursos.
- Sob o NAP puro: A ação de Espertino é um direito se ele adquiriu as terras e o rio legitimamente e Ancapino não tem direitos preexistentes sobre a água. Se Ancapino possui direitos (por uso histórico), o desvio ou consumo é uma agressão, pois viola sua propriedade. O NAP, porém, não regula externalidades indiretas, deixando Ancapino vulnerável sem acordos prévios.
- Sob o georgismo: O desvio ou consumo da água é problemático, pois monopoliza um recurso comum. Espertino deveria pagar um LVT para compensar Ancapino e a sociedade pelo impacto.
- Sob o distributismo: A ação é uma agressão indireta, pois compromete a função social da propriedade de Ancapino. A comunidade exigiria que Espertino garantisse o acesso à água.
- Sob o geolibertarianismo: Espertino pode desviar a água, mas deve indenizar Ancapino pelo prejuízo, respeitando o proviso lockeano.
- No contexto suíço: Leis cantonais e práticas comunitárias limitariam a ação de Espertino, exigindo compensação ou restauração do fluxo, alinhando-se a princípios georgistas e distributivistas.
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